Ino tacou a testa na mesa sem a menor vontade de estar viva.
Desde que nasceu sua vida havia sido flores, consumida por flores, comparada com flores e rodeada de flores. Agora ela precisava despender um esforço razoável para se distanciar da vontade de atear fogo num lote extremamente caro de flores.
Há más-línguas que duvidem, mas Ino é uma mulher romântica. Ou, pelo menos, era.
Passou a adolescência sendo bombardeada com as imagens mais bonitas de trope flower shop, onde o protagonista viveriam um dia a dia pleno, rodeado de perfumes e cores, pássaros e amores. Olhando aqui duramente para o seu espelho de mesa, a realidade gritou na sua cara que deveria excluir agora mesmo sua conta do AO3 e processar a todos os envolvidos.
Dois dedos de raiz escura, quase três, contrastava aberrante com o loiro claro de todo o resto do cabelo ressecado – que precisava manter amarrado, porque já ia completar três dias desde que teve tempo para lavá-lo da última vez.
Fazia meses que não mantinha mais as unhas longas porque dava trabalho para manusear os arranjos, e fazia anos que havia parado de pintá-las depois que a água das flores descascou o seu belo Rebu em minutos até parecer que havia vomitado sangue nos dedos.
Havia também uma espinha interna crescendo dentro do seu nariz de tanto estresse que, se ela conseguisse esquecer que estava ali, não causaria metade do problema que estava causando no momento. Talvez se continuasse camuflada na madeira velha pudesse fazer os outros acreditarem que não estava aqui. O que, óbvio, não tinha como colar porque era a chefe.
Ino herdou uma das tantas lojas em uma cadeia de floriculturas. O que podia soar como a melhor profissão do mundo, mas também queria dizer que não tinha muita escolha. Como dizem? trabalhe com aquilo que você ama e você nunca mais amará aquilo na vida.
Tinha contratado temporários para ajudar com a movimentação da loja desde o mês passado, mas lidar com gente nova era muito pior do que dobrar o expediente de toda a equipe da casa. A sua gigantesca equipe de dois funcionários, que deveria ser três se não tivesse liberado as férias de Gaara. Nesse caso daí seriam quatro pessoas comendo o pão que o diabo amassou em uma das épocas mais caóticas do ano.
E agora tinha dois jovens inexperientes na sua cola que, com toda a certeza do mundo, seriam responsáveis pelo milagre da multiplicação dos fios brancos na sua cabeça.
Não havia tempo para ensinar o básico da delicada arte do arranjo floral antes das manadas adentrarem porta a dentro e Ino não tinha coragem de entregar a reputação da Floricultura Yamanaka na mão de quem tinha chegado agora, então ela que lutasse. Gaara havia concordado em dar suporte logístico mesmo à distância (depois que chorou no ouvido dele por duas horas e meia), e isso alimentava a parca esperança de que ficaria bem.
Ela esfregou os olhos com força, amarrou o avental lilás em suas costas e puxou todo o cabelo para prender com uma liga. Ontem foi dia de carregamento, o que significava que havia distribuído tarefas simples e chatas aos novatos que se ocupariam por um longo tempo precificando plantas e organizando estoque.
Santa e Kohan cuidariam do atendimento aos clientes e montagem das cestas, enquanto Ino iria sentar quietinha no seu escritório e trabalhar nos arranjos prontos da área externa para o natal. Parecia bom assim.
Mãos à obra.
– Inojin, tenha cuidado com os azevinhos, sim?
O menininho subiu os olhos do papel de presente onde estava fazendo uma lambança com tinta guache nos dedos e afirmou audivelmente para sua mãe. Ele estava deitado no chão.
De todas as formas possíveis de sujar um papel, Inojin tinha preferência por tudo o que podia aplicar com os dedos. Ino incentivava bastante o lado artístico do filho, mas seria uma tragédia inimaginável caso cansasse do espaço em branco da cartolina e suas mãozinhas curiosas fossem se ocupar nos carregamentos para o Natal. Havia recebido um lote realmente bonito de Poinsétias, Heras e Narcísios de Inverno que, sem dúvida, lhe arrecadaria os arranjos mais caros da estação.
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Um Natal Por Acidente [GaaLee]
FanfictionGaara era para estar de férias. Deveria estar de férias, mas não. Aqui estava ele, no corredor temático de um hospital, bem onde judas perdeu as botas, aguardando remendarem o braço do cara que atropelou na neve [2020]