Reencontros

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"Então é natal... e o que você fez?"

Gaara puxou o gorro sob a sua cabeça, encarando por um longo e tenebroso tempo a caixinha de som em cima da mesa da recepção. Hoje parecia um excelente dia, um daqueles dias, um ideal para não ter levantado da cama.

Ele passou reto pelo gigantesco papai noel inflável da portaria. Ele tomou cuidado para não enroscar a cabeça nos enfeites de folhas falsos pendurados pelo corredor. Ele até buscou ser o mais cordial possível quando a atendente o desejou o mais falso dos "bom dia"s por trás dos grandes óculos com enfeite de bengala em sua cabeça, mas já fazia uns 10 minutos que estava começando a suar frio.

O sistema de som do hospital não poderia ficar comprometido nem mesmo durante a mais festiva das estações então, sim, arranjaram uma JBL para deixar tocando as mais nefastas das músicas em cima do balcão. Versão piano, versão Jazz, e agora uma versão violão igualmente ruim interpretada por Roberto Carlos.

Essa especificamente pior do que as anteriores.

Sim, com certeza era um dia.

Gaara não andava muito pela cidade. Não havia muita coisa para fazer além ir à igreja ou ao shopping. Também, mesmo que conhecesse rotas alternativas para evitar esbarrar em algum coral natalino itinerante, ainda corria o risco de ser tragado por uma das multidões em disputa pelos brinquedos mais procurados ou pelo último chocotone do balcão da padaria.

Aquela cidade funcionava como se tivesse caído dentro dos mais pavorosos filmes do catálogo da Netflix. Então, caso não desenvolvesse uma urticária pelo aromatizador de pinho borrifando em cima deles a cada 5 minutos, Gaara ainda tinha esperanças de resolver tudo e chegar em casa sem esbarrar em algum cavaleiro medieval perdido no meio da neve.

Aliás, ele de fato estava andando pela cidade (em uma concisa e afetuosa tentativa de acompanhar Kankuro em sua jornada pelos presentes tardios, sem agredir multidões ou ameaçar corais), e veja só o que aconteceu.

Ele encostou a cabeça com cuidado na parede revestida de um papel profundamente brega e estendeu as pernas. Dolorido.

Gaara estava de férias, era para estar de férias... Deveria estar de férias. 

A memória emocionante do Natal passado (o qual passou enterrado em suas cobertas quentinhas com seu gato embolado nos seus pés, ignorando ligações de parentes e se fingindo de morto) lhe parecia tão distante e efêmera quanto realmente era. Era como deveria estar. De onde nunca deveria ter saído.

Em vez disso, lá estava ele no corredor temático de um pronto-socorro qualquer, congelando até a morte e tentando se distrair de pensamentos que girassem em torno de qualquer coisa que o fizesse se sentir obrigado a mencionar um aviso de gatilho.

Ainda mais quando nem mesmo a voz geriátrica do Roberto Carlos conseguiu disfarçar os ruídos do que acontecia na ala de ortopedia.

A boa notícia é que não havia cometido uma fratura, mas uma luxação. A má notícia é que isso exigia um procedimento para recolocar o ombro no lugar. Com isso, Gaara e Kankuro iam murchando na cadeira cada vez que ouviam a equipe médica discutindo e o paciente gemendo até chegar ao estralo profundo que encaixou o osso de volta.

Kankuro cruzou os braços, arrepiado.

– Aah que inferno... é melhor você ficar longe de mim.

Gaara estava cansado demais para responder, mas levantou assim que a enfermeira responsável apareceu com o prontuário.

– Senhores. – cumprimentou e Gaara fez o possível para ignorar o tilintar da bolinha felpuda do gorro se movendo na cabeça dela – Vou entregar o resultado dos exames para a doutora, mas vocês podem entrar, se quiserem.

Um Natal Por Acidente [GaaLee]Onde histórias criam vida. Descubra agora