08. Fuga

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O décimo terceiro ano de Daqian não foi um ano fácil; foi um ano gravado nos livros de história com sangue.

Desde o inverno do ano anterior, as duas regiões mais produtivas do império, Xianghuai e Jiangnan, vinham enfrentando desastres naturais. Uma delas não teve uma única gota de neve ou chuva durante todo o inverno. O leito do rio recuou muitos metros; algumas áreas não recebiam mais fluxo de água. Jiangnan havia se tornado uma terra estéril até onde a vista alcançava, o chão vermelho ostentando rachaduras de um metro de comprimento. Cadáveres famintos cobriam a terra e pelo menos nove em cada dez casas estavam vazias. O governador, depois de escrever uma petição à corte imperial, enforcou-se em sua casa por motivos não muito claros.

Por outro lado, Xianghuai sofreu grandes inundações. Mais de dez cidades foram destruídas pelas enchentes. Os refugiados atingidos pelo desastre foram obrigados a se dispersarem em todas as direções - sete ou oito em cada dez deles morriam na estrada. As famílias carentes faziam fila para vender suas filhas por uma xícara de arroz, enquanto os meninos saudáveis eram vendidos por três xícaras de arroz.

As pessoas em tempos de caos valiam menos do que os cães em tempos de paz.

Apesar de não chover na capital imperial - Pingyang - há vários meses, o céu estava nublado, como se uma panela tivesse sido colocada sobre a cabeça de todos, sufocando-os até que mal conseguissem respirar. Alguns anciãos diziam que se alguém saísse durante a noite e olhasse para o céu, saberiam que não eram nuvens lá em cima, mas incontáveis fantasmas vingativos reunidos de todos os lugares, buscando o imperador para obter justiça pelos erros que lhes aconteceram.

Enquanto os desastres continuavam, em Xiangbei, um carroceiro e um fazendeiro se revoltaram. Enquanto as forças enviadas para reprimi-los ainda estavam à caminho, a rebelião já contava com o apoio de inúmeros camponeses que não podiam mais viver nessas condições. O continente, que esteve em paz por muito tempo, estava prestes a mergulhar em uma nova era de infinitas batalhas contínuas.

Claro, tudo isso não tinha nada a ver com Shi Wuduan, que estava preso em uma montanha no meio do nada, em algum lugar de Shuzhong.

O pardal de jade que ele enviara para entregar a correspondência ainda não havia retornado, mas ele não estava muito preocupado. Ele imaginou que, como esperado, o corpo daquele grande pássaro estúpido de cérebro minúsculo servia apenas para acumular gordura; ele não conseguia voar tão rápido quanto Jianghua Sanren.

A princípio, Jianghua estava preocupado que manter a criança confinada na montanha pudesse fazer com que ele tivesse um ataque de raiva ou algo assim, mas quem diria que depois de conhecê-lo por algum tempo, ele descobriu que Shi Wuduan parecia naturalmente... carecer de alguma coisa.

Ele ouviu dizer que quando esta criança ainda usava fraldas - tendo há pouco tempo aprendido a ficar sentado - sempre que os adultos tomavam os brinquedos de suas mãos, ele não fazia barulho. Se fosse qualquer outra criança, teria chorado com certeza, mas Shi Wuduan apenas arregalava seus olhos negros, olhando em volta, fazendo um som de "ah" para transmitir que queria o brinquedo de volta. Se fosse devolvido, ele continuaria brincando. Caso contrário, ele simplesmente concordaria e voltaria a sua atenção para um brinquedo diferente.

Ele também ouvir dizer que um shidi do mestre taoísta, Banya Zhenren, experimentou tirar todos os brinquedos ao seu redor para ver se ele choraria. Mas o que aconteceu foi que a criança apenas olhou para ele em total perplexidade, como se não entendesse o que um velho barbudo estava fazendo segurando um monte de chocalhos e outros brinquedos. Depois de um tempo de confusão, ele simplesmente abraçou o pé e passou a chupar os dedinhos - coisa que aquele velho não conseguiria tomar dele.

Jin Se ‧ Priest [PT/BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora