CONTRATEMPO

37 8 10
                                    

Os dias se passaram rapidamente e a serotonina fornecida pelo sol nas minhas manhãs de corrida estavam me fazendo bem, afinal teria que ser o suficiente para os dias cheios de contratempos nos quais eu estaria vivendo. Os sonhos com Jeyjey passaram de "fofos" para pesadelos, como se repetisse freneticamente o acidente e o via morrendo na minha frente e o inusitado era que ele me olhava com a mão estendida e fazia um pedido de socorro, porém eu não conseguia chegar a tempo.

O convite de Alecsander para ir morar na Austrália teve que ser adiado, pela ironia do destino, a justiça de pequenas causas deu ganho para Noah e eu terei que pagar pelos estragos da batida de seu carro e ainda prestar serviços comunitários pelo transtorno causado no trânsito, em uma Universidade pública como auxiliar do Reitor ou simplesmente a "faz tudo".

Apesar dos pesares, estou sendo punida por uma dupla traição e tentando manter minha mente em paz, respirando quantas vezes for preciso para manter a calma. Não conseguiria mais olhar nos olhos de Noah, o seu triunfo diante dos conciliadores e advogados me humilharam mais uma vez e eu preferi o silêncio.

Mais de ano após a morte de Jeyjey, comecei a trabalhar no escritório de um laticínio e me envolvi com meu chefe da época, um viúvo recente chamado Lucas, pai do Alecsander. A princípio pareceu boa ideia namorar um homem mais velho e experiente, porém ao conhece- lo melhor passou a querer controlar a minha vida por ciúmes e por eu ser ainda tão jovem. Alecsander não me aprovou de primeira, porém depois passou a me defender, apesar de ser apenas um pré-adolescente naquela época.

As brigas com Lucas foram constantes e a forma pela qual ele tratava Alecsander fez o rapaz ficar rancoroso com a relação deles de pai e filho e quando eu decidi sair daquela relação tóxica, Alecsander veio comigo para o apartamento.

Não foi um período fácil. Eu trabalhava durante o dia, enquanto fazia faculdade de psicologia à noite e Alecsander trabalhava meio período conciliando com os estudos para me ajudar com as despesas. Não tínhamos ajuda de ninguém conhecido e nossos vizinhos falavam nas nossas costas insinuando ao nosso respeito, que aos olhos deles eu havia deixado o pai e seria uma pedófila ao morar com o filho dele.

As falácias das pessoas nos atingiam tanto que estava prejudicando a vida de Alecsander e quando surgiu a oportunidade dele ir para a Austrália não pensei duas vezes em enviá-lo, o ajudei com tudo que precisava. A vida dele foi da água para o vinho no exterior e hoje ele vive bem estável em todas as áreas. O pai dele o visitou algumas vezes e disse ser agradecido a mim, pelo o que filho dele é hoje em dia. Que bom, pelo menos um reconhecimento nesta minha vida medíocre.

Ainda penso no convite feito pelo meu filho e talvez seria melhor deixar esse país e tudo que me faz mau neste lugar.
As lembranças de Jeyjey voltaram com tudo graças a presença de sua família novamente a esta cidade. E não queria pensar no Jonathan, jogando-lhe toda a carga do passado de coisas que nem chegaram a acontecer entre Jeyjey e eu.

Eu acordei em um dia frio, o vento gélido anunciava a próxima estação. Meus olhos ainda estavam meio fechados e eu não acreditando em ter que ir até aquela Universidade. Troquei meu carro por um mais básico para pagar minhas "novas" dívidas e enfrentar o "caos" pelo qual já estava acostumada e que seria a minha sina.

Diante do espelho do banheiro tentava esboçar ânimo e a expressão de meu rosto não trazia a mesma satisfação de outros dias, alguns sinais mesmo que mínimos já denunciavam que se aproximavam os meus trinta anos de puro "vigor".
Do que mais poderia reclamar?
Havia conquistado muito na vida ao decidir mesmo durante a faculdade assumir as rédias duras da vida. E tenho como uma das minhas maiores conquistas: minha independência.

O meu "protótipo" de carro resolveu dar a partida quando assim o quisesse. Irônico senão trágico.
Eu iria chegar atrasada já no primeiro dia. O café comprado a caminho do trabalho seria uma opção.

Você, Outra vezOnde histórias criam vida. Descubra agora