PARTE 01 - MIKASA

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A fotografia em cima da cômoda era uma lembrança brilhante de um passado doce e quente, com cores vibrantes e douradas, diferente da realidade do agora. Pelo retrato, Mikasa pode sentir o calor daquela tarde de verão, as lembranças tão vividas que poderia dizer que se passaram no dia anterior quando na verdade havia mais de dez anos entre aquela foto e o presente.

O dia estava quente, um verão com temperaturas acima da média, o que para as demais pessoas era um dia de calor infernal, para o trio ansioso, Armin, Eren e Mikasa, era um dia mais que perfeito! Há semanas planejavam a viagem, a primeira sem os pais, o que para o trio de adolescentes de dezesseis anos era o máximo, quatro dias de praia sem a supervisão de um adulto, apenas os três amigos curtindo as férias. Tudo ali era um sonho, hoje Mikasa pensa que gostaria de continuar sonhando a despertar para realidade após a viagem. Depois dali, foram forçados a crescer mais rápido do que gostariam.

Das suas lembranças, dentre tantas marcantes estavam o cheiro do mar era incrível que ao fechar os olhos, a maresia ainda dominava suas narinas, mesmo que estivesse a quilômetros de distância do mar. As brincadeiras, o som das risadas despreocupadas, o calor da fogueira que acenderam em uma das noites, seu primeiro beijo. Era incrível, o sabor do sal, a aspereza causada pela areia que estava na pele devido ao vento, o amargo da bebida que estavam experimentando e que lhe dera a coragem de beijar um de seus melhores amigos e primeira paixão. Sim fora naquela viagem que se confessara a Eren e descobrira que o amigo sentia o mesmo por ela. Os gritos de comemoração de Armin que mais parecia a vitória da Copa do Mundo, a vídeo chamada via Skype para todos os amigos para conta que finalmente o casal idiota havia se assumido, a explosão de choro de Jean por ciúmes, o calor no rosto dos dois e o sorriso bobo e orgulhoso de Eren enquanto segurava sua mão.

Memorias poderiam ser traiçoeiras pois traziam tudo de volta, mesmo sabendo que não teriam novamente aquilo, mas estavam ali, à espreita para lembrar a Mikasa tudo que um dia teve e agora perdeu, se pudesse voltar ao passado e conta para o seu eu de dezesseis anos tudo que estava por vir.

Segurou a fotografia e não pode deixar de sorrir. Era um passado brilhante que ficou para atrás. O mundo virou de cabeça para baixo menos de um ano depois com o estouro da guerra entre Eldian e Marley, todos tiveram que amadurecer mais rápido e sonhos foram sendo destruídos.

O primeiro ato fora a convocação dos adultos para a guerra, homens saudáveis, médicos, mulheres que atuassem na área da saúde, todos tinham alguém que fora convocado para lutar pela liberdade de Eldian e da Ilha de Paradis. No caso de Mikasa, seu pai fora como soldado e sua mãe, como enfermeira também fora, os pais de Armin eram jornalistas e foram para cobrir a situação da guerra e o pai de Eren fora por ser médico. O trio passou a viver junto de Carla, mãe de Eren, na casa do avô doente de Armin. Enquanto tivessem um ao outro, era fácil seguir, pelo menos era o que imaginavam antes da primeira tragedia os atingir.

O estomago revirava de lembrar daquela noite, em transmissão mundial, o líder Marleyano havia capturado os pais de Armin, os acusando de serem espiões e estarem vendendo segredos para seus inimigos. Os dois encapuzados, tentando consolar um ao outro com palavras doces, mesmo sabendo qual seria o destino reservado a eles. A forma que caíram ao serem atingidos e o desespero que tomou conta de Armin e de seu avô ao assistirem tudo pela televisão sem ter o que fazer. Todos estavam impotentes. Poucos dias depois chegou uma carta, as vítimas agora foram os pais de Mikasa e Grisha. Quando os telegramas foram lidos, Carla desmaiou. Agora ela era a única responsável pelo trio e pelo idoso e o peso da responsabilidade juntamente da perda do amado marido fora demais para jovem mulher que envelheceu rápido demais para sua idade mas ainda estava ali para eles, porém quando atacaram a ilha, o único ataque e foi suficiente para determinar o fim da adolescência dos três.

Mikasa lembrava, assim como lembrava da tarde ensolarada, lembrava daquela manhã assustadora. Carla tinha ido ao mercado cedo, teria que trabalhar a tarde então tinha que aproveitar a manhã para essa tarefa, Eren fora com ela a contragosto para ajudar, enquanto Armin e Mikasa adiantavam a arrumação da casa. Divisão de tarefas era essencial para que crescessem dizia Carla e por mais que reclamassem, cumpriam o que a mulher determinava, afinal era poderia ser bem persuasiva e suas orelhas era testemunhas disso, as de Eren principalmente, mas não importava, ele era o menininho da mamãe e por mais que a dor daqueles que foram perdidos ainda estivesse ali, Carla sempre os fazia sentir amados, por isso aquela manhã os quebrou totalmente. O bombardeio em área civil, primeiro ataque de Marley diretamente em solo civil Eldiano. O primeiro ataca direto a ilha que apenas tinham civis.

O som da explosão fora ouvida da casa deles, Armin correu ao local junto de Mikasa para encontrar um Eren ferido de joelhos ao lado de uma parede desmoronada e com muito sangue em sua volta, não havia sinal de Carla. Armin fora quem teve coragem de perguntar, Mikasa não queria entender o que estava acontecendo.

— A parede... Ela não conseguiu correr, eu estava longe. Eu não pude proteger minha mãe.

Quando Mikasa olhou o quadro com mais atenção, não conseguiu segurar o grito de horror e pânico. Era possível ver, por baixo de um bloco de concreto, os longos cabelos castanhos de Carla misturado com sangue e o braço esticado. Destroçada. Destruída. Uma massa de sangue e carne sem vida, logo ela que sempre brilhou e viveu intensamente. Armin, geralmente mais sensato, ajudou Eren a se levantar e buscar ajuda médica, ela por sua vez só conseguia chorar sem esquecer a cena.

Sem dúvidas, foi naquele dia que o perderam. Eren, sempre sorridente e alegre, brigão, e justo, que era a colar que unia os três mudou da água para o vinho. Ele estava obcecado, queria ir para o exército. Começou a se preparar fisicamente para isso, ele só conseguia pensar em vingança. Ele não queria mais saber de beijos, namoro, música ou festas. A guerra era seu objetivo. O namoro entre os dois não progrediu na época pois ela não aguentava essa obsessão. Ele não fez questão de estar ao lado dela, nem mesmo reagiu quando ela começou a sair com Jean. Ele apenas desejou que ela fosse feliz e partiu.

Ela chorou quando o viu partir, e mesmo nos braços de Jean, sentia-se quebrada. Seu amor estava partindo para guerra e ela estava nos braços de outro, sendo uma hipócrita por usar os sentimentos de Jean como curativo para o buraco que Eren deixara em sua vida. Agora aos vinte e seis anos, enxergava com clareza o quão errado foi essa decisão. Ela o machucou demais, tanto que não foi surpresa que o relacionamento não durou mais de dois anos e muito mais por Jean do que por ela. Já Eren, ela nunca mais viu. Tinham oito anos da sua partida e ela nunca recebeu notícias dele. Armin de vez em quando recebia cartas, apenas para mostrar que estava vivo ainda, mas apenas isso. Ela queria escrever para ele, mas preferiu guardar esse amor adolescente em seu coração e seguir a vida. Agora era uma advogada de sucesso, iria se casar em breve com Marco e tudo que viveu com Eren e Armin agora não eram nada além de lembranças doces do passado.

Voltando a si e focando no agora, ela teria uma audiência em duas horas, precisava sair e correr para o fórum, lembranças são boas mas não pagam as contas e ela estava com os gastos extras por conta do casamento e da viagem de lua de mel. Ela teria que pegar mais alguns casos para conseguir suprir sua cota de gastos com o casamento. Marco queria pagar sozinho mas ela não achava justo. Os dois deveriam começar uma vida conjunta justa e isso implicava em dividir tudo. Olhou uma última vez para a fotografia em sua estante e se permitiu sentir saudades daquela época doce antes de voltar para sua rotina.

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