PARTE 06 - EREN

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Era mais uma noite de insônia, mais uma de tantas desde que voltara. O olhar para o teto se tornara seu passatempo favorito que poderia dizer quantas rachaduras, falhas de pintura e teias de aranha havia ali. Amanhã será dia de terapia e Eren detesta pensar em falar novamente com aquela tal de Hange era irritante, principalmente quando os pesadelos continuam e a insônia também. Ou ao menos se pudesse fechar os olhos sem que as lembranças daquele lugar venham com força, tirando a noção do que era real e do que era ilusão.

Olhou pela janela, era sua rotina, quando cansava do teto, ia para janela e observava a rua na qual cresceu, uma das poucas que não foi bombardeada por Marley no início da guerra, a rua da praça em que brincava com Armin e Mikasa não teve a mesma sorte assim como o mercado onde costumavam fazer compras. A lembrança fez a respiração do jovem acelerar, o corpo de sua mãe esmagado, o corpo de Erwin, seu ex capitão destroçado, tantos corpos caíram aos seus pés, Moblit também fora outro corpo aos seus pés e ele sempre sobrevivendo, mesmo contra sua vontade. Ele não merecia viver mais do que seus companheiros, mais Ramzi ou qualquer outra criança que estava ali. A ânsia de vômito vinha conforme a lembrança, Eren não podia deixar que ela o dominasse pois seria um caminho sem volta para a crise. Afastar esses pensamentos, precisava tirar tudo da cabeça, antes que seu corpo paralisasse totalmente, Eren levantou-se com o auxílio das muletas.

Sabia que pela hora, Armin ainda estaria dormindo, então poderia buscar onde ele escondeu as bebidas novamente, porém sua surpresa foi encontrar Mikasa sentada no escuro da sala ao descer. Ainda estava estranho encontrá-la todos os dias, desde que ela terminara o noivado, ela estava passando um tempo com eles e para desespero de Eren, sendo sua "babá" em relação a terapia e fisioterapia. Se achava Armin irritante, Mikasa conseguia ser mais. Ele não discutia mais com Mina ou faltava as sessões com Hange porque Mikasa estava ali e Eren não conseguia dizer não a ela. Armin tentava disfarçar a sua diversão com a situação, mas poderia garantir que o loiro estava se sentindo vingado pelo último mês de trabalho que deu a ele.

— Sem sono também?

A voz dela era doce, mas com notas de solidão. Eren apenas acenou de volta e seguiu para a cozinha, gemendo por querer uma bebida mais do que nunca. Os passos dela o seguiram não deixando alternativa para ele, a não ser tentar disfarçar sua busca. Ela com certeza estava do lado de Armin em relação a deixá-lo beber, mas o que eles sabiam?

— Armin colocou no alto do guarda-roupa do quarto dele as bebidas. Não estão ao seu alcance.

— Então irei sair, preciso de algo pra dormir.

— Que tal um chá? Posso fazer para a gente. Afinal, nós dois precisamos dormir um pouco. Sabe, meu casamento seria hoje.

Eren não respondeu. O silêncio era como lidava com ela, isso e geralmente evitando discursões e aceitando os pedidos da jovem. Não era bom com essas coisas e desejava demais que Armin estivesse acordado para ouvir Mikasa.

— E você? Chegou a pensar em casar-se? Em formar uma família?

— Família? Sério Mikasa?

"Como poderia pensar em formar uma família quando fui responsável pela destruição de várias?" — A frase ecoava na mente de Eren. Culpa, medo, incerteza, se não mudasse de assunto logo iria ter outra crise. Quantas casa invadiu? Quantos civis foram pegos no fogo cruzado? A conversa por ele estava se encerrando ali, ela não tinha culpa de suas escolhas e não queria mais uma pessoa assombrada por pesadelos. Ele não se despediu, apenas pegou as muletas e começou a se levantar, com intuito de fugir daquele espaço que parecia encolher a cada segundo que passava próximo de Mikasa. Ele tinha muitos fantasmas que não estava preparado para enfrentar.

— Não vá, desculpa... Eu tô com a cabeça cheia. Queria conversar um pouco como quando éramos jovens.

A culpa não era dela pelas merdas que ele fez. Ficou em silêncio e apenas voltou a se sentar, aceitando o chá que a jovem colocara na sua frente.

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