PARTE 03 - EREN

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Acordar suado era sua rotina desde que voltara.

As lembranças dos anos em Marley iriam persegui-lo eternamente, ele não era mais o cara idealista que acreditava que iria mudar o mundo. Era uma casca vazia. Era nem sombra do que fora no passado. Não havia um dia que não fechasse os olhos e fosse levado de volta ao inferno. Os gritos, o cheiro de morte, os corpos mutilados. Quase uma semana que estava de volta, mas todas as noites os mesmos sonhos o atormentavam.

Olhou pela janela da casa em que viveu boa parte da juventude se perguntando por que decidiu voltar. Não tinha nada para ele aqui, todos seguiram suas vidas e ele era um ser quebrado. Sem emprego, com o salário de aposentadoria e uma tapinha nas costas, seus planos era pedir dispensa quando pisasse novamente em Paradis, entretanto, os remanescentes do exército Marleyano tinham planos de não deixar ninguém vivo. Eles não queriam o tratado de paz assinado pelos dois governos, eles queriam que todos os eldianos desaparecessem da fase da terra.

Ele era assim, queria o fim dos marleyanos, afinal eles tiraram tudo dele. Sua mãe, seus amigos, seu lar. Eren e seus amigos tiveram que amadurecer mais cedo do que se espera de jovens de dezesseis anos, a responsabilidade de manter uma casa, de sobreviver e pior, o ódio para se vingar de todos que tiraram tudo que tinha, todo seu mundo.

Eren mal lembrava como era a vida antes do ódio circular em suas veias, mas lembra do calor e do amor que sentia quando Carla ainda estava ali, como era bom ter o amor de Mikasa e ser um bom amigo para Armin. Agora, oco e vazio, um aleijado incapaz de agradecer o único que ainda se importa com ele. Do que adiantou ir lugar por Paradis, se sua recompensa fora apenas a perda de mais e mais coisas. Companheiros de guerra mortos, sua perna se fora e por muito pouco quase não perdeu a visão também.

Os médicos falavam que ele poderia tentar usar uma prótese quando se recuperasse, mas Eren não queria pensar nisso. Não quando tirou pais de crianças, como um dia fizeram com eles e seus amigos, não quando viu corpos inocentes caídos e sendo taxados de inimigos, não quando amigos se foram e não iriam voltar. Ele não merecia segunda chance.

Hoje era dia de fisioterapia então deveria tentar levantar, por Armin. Era difícil quando a única coisa que desejava era uma garrafa de whisky e quem sabe um tarja-preta. Ou quem sabe algo mais forte, ou ilícito, quem sabe heroína ou outra droga que fizesse a dor sumir. Mesmo sabendo que seria momentâneo, como quando estava sob efeito de morfina, tudo depois de um tempo acabaria e ele voltaria a ser o mesmo merda que era. Estava há duas semanas neste ciclo de autopiedade, se tivesse sorte conseguiria chegar ao banheiro para se lavar quando a enfermeira chegasse ou ficaria deitado mais um dia esperando pela morte.

O café ao lado da cama era uma tentativa de Armin animá-lo, hoje o amigo passaria o dia fora, havia avisado a Eren que não voltaria tão cedo e hoje seria apenas a enfermeira e pediu que fosse gentil, como se fosse possível ser gentil com alguém vestindo branco e que falará para ser otimista.

Sua cabeça estava prestes a explodir, estava novamente no ciclo de delírio, sabia que não tinha nada ali, mas ainda conseguia ouvir as vozes cantando, sua última missão. Cravou as unhas na palma da mão, Eren sabia que não poderia se deixar levar por esse caminho. Era sem volta. Um ruido de porta chamou a atenção, Eren teria que começar a sua rotina com a nova enfermeira, ele havia prometido a Armin que iria se comportar, mas não havia prometido ser simpático.

***

— Senhor Yeager por favor, o senhor tem que comer.

Era a quarta vez que Mina, a enfermeira tentava, mas ela não seria capaz de compreender como ele se sentia. A comida era um luxo e Eren não se sentia fome, apenas a necessidade de álcool no sangue e Armin havia feito questão de esconder toda e qualquer garrafa desde quando Eren voltou para casa e os médicos sinalizaram a possibilidade de ele buscar conforto na bebida.

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