P/V Barcode
O silêncio dentro do carro depois do almoço com Job e P'Samantha foi constrangedor. Só de lembrar sinto um arrepio na espinha. Papai não disse nada o caminho inteiro, mas foi só colocarmos os pés dentro de casa que ele resolveu se abrir. Estou deitado em meu quarto repassando tudo o que aconteceu durante o dia. Ouvir do vovô que ele estava feliz por meu pai me deixou com o coração leve. Sei que o maior sonho dele desde que mamãe se foi era ver meu pai ser feliz novamente, e descobrir que isso realmente aconteceu o deixou muito feliz. Decido colocar alguma música para tocar, eu precisava me distrair de tudo a minha volta para poder colocar minhas ideias em ordem. Pego meus fones e vasculho minha playlist atrás de algo que realmente me acalmasse a mente, é nessas horas que me arrependo de ter uma seleção musical tão variada. Demorei mais do que imaginei até encontrar algo que me distraísse. Quando os primeiros acordes de Wish You Were Here do Pink Floyd começam a tocar fecho meus olhos e deixo o ritmo lento e melodioso me tomar. O solo de violão preenche meus sentidos, a voz suave de Roger Waters aquece a minha alma. Inevitavelmente começo a cantar junto:
"So, so you think you can tell
Heaven from hell?
Blue skies from pain?
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?
Did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
Did you exchange
A walk-on part in the war
For a leading role in a cage?
How I wish, how I wish you were here
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl
Year after year
Running over the same old ground
What have we found?
The same old fears
Wish you were here"Quando o último acorde soa em meus ouvidos respiro profundamente e me deixo levar pela enxurrada de pensamentos. Não posso negar que talvez eu devesse ter contado tudo para meu pai logo no início, contar sobre os abusos verbais e as quase agressões. Contar sobre cada palavra que me quebrou por dentro mas não só a mim, mas a meus amigos também. A voz quebrada de tristeza e amargura de meu pai ainda reverbera em minha mente:
" Sabe meu filho, não posso dizer que estou bravo ou decepcionado com você, pois não tenho esse direito desde o dia que lhe deixei sozinho em casa e me dediquei mais ao trabalho do que a você que foi, é e sempre será a minha maior alegria e motivação. Tudo que faço em minha vida é sempre pensando em você. Sempre tentei ser o mais presente possível em sua vida, ia nas reuniões na escola sempre que conseguia, e quando não era possível a mãe de um amigo seu me representava e me informava de tudo o que acontecia. Sammy me disse que lhe contou que fui na sua apresentação, quando cantou a música que compôs para a sua mãe. Fiquei tão feliz ao vê-lo recebendo prêmio de 1° lugar. Tenho tanto orgulho de você meu amor. Você, embora eu saiba que não gosta quando digo isso, é uma cópia exata dela. No jeito carinhoso, no olhar curioso e delicado, no andar e falar, na maneira como enxerga a vida e a interpreta, em como assimila as situações conflitantes que se põem em seu caminho e as resolve da melhor maneira possível. Mesmo você sabendo que com apenas uma ligação ou mensagem sua eu paro tudo e qualquer coisa que estiver fazendo para lhe ouvir contar como foi o seu dia ou semana. Talvez justamente por isso, me iludi achando que você iria me procurar e se abrir comigo sobre o que aconteceu entre vocês e o filho da Sammy. A mãe de Apo e Biuld me procurou dias depois do ocorrido e contou tudo o que aconteceu. Um misto de sentimentos me abateu depois de ouvir tudo o que ela me contou. Tristeza, preocupação, uma pontinha de orgulho e medo. Muito medo. - me permiti dar um leve sorriso quando papai disse que sentiu orgulho, se tem algo que sei que puxei a ele com certeza foi a lealdade. Mamãe sempre disse que ele era extremamente leal aqueles que eram importantes para ele.
- Medo do que exatamente? - pergunto curioso.
- Medo do que poderia ter acontecido ou do que pode acontecer. Já tivemos essa conversa meu filho, e sei que você ainda não tem uma resposta para isso. Mas meu maior medo é do que pode ocorrer se a sua resposta seja positiva sobre o que eu sempre vi em você. Por mais que em alguns aspectos a sociedade tailandesa seja "aberta" sobre a comunidade LGBTQIA+, muitas pessoas ainda tem pensamentos errôneos em relação a homossexualidade. Durante muito tempo o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo era considerado uma doença ou deficiência mental. Por mais que não exista exatamente uma perseguição ou violência explícita contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, existe m outras formas de manter a comunidade a margem da nossa sociedade com a exclusão nos direitos a saúde e educação em alguns casos. Pense, quantas pessoas que são da comunidade participam efetivamente no campo político? São poucos e tem sua presença restrita e limitada, dificultando qualquer tentativa de propor leis e projetos à favor da comunidade. Por isso, quero que me prometa filho, que quando tiver a resposta para a minha pergunta você irá me contar, está bem? Melhor ainda, me conte tudo o que acontecer de errado. Mesmo se for um tropeço no meio da rua, me conte tudo. Eu quero que saiba e entenda que sempre estarei aqui para você. Estou orgulhoso do homem que está se tornando, e sei que sua mãe também teria orgulho de você. Então, quando você entender o que acontece dentro do seu coração, não hesite em me procurar, ok? Não esqueça que eu te amo muito me filho. Muito mesmo."
Obviamente prometi que ele seria o primeiro a saber de qualquer coisa que me acontecesse. Meu pai é uma caixinha de surpresas, é impossível não amar ele. O fato de mesmo não estando todos os dias , saber que posso contar com ele dessa forma me deixa muito feliz. Abro os olhos e vejo que são quase meia noite. Amanhã irei terminar de arrumar minhas coisas e começar a enviar algumas caixas para minha nova casa. Respiro fundo e tento dormir, pauso a música que ouvia no momento quando ouço um barulho na janela do meu quarto. Me levanto cautelosamente e vou em direção a janela, quando olho para fora vejo a silhueta de Biuld no jardim. Saiu do quarto sem fazer barulho e desço em direção a entrada da casa, abro a porta e dou de cara com o olhar perdido do meu amigo. Quando ele percebe que abri a por ele vem em minha direção e me abraça forte. Retribuo a ação automaticamente achando que algo realmente deva ter acontecido, porque raramente Biuld vem a minha casa a essa hora, normalmente quem faz isso é Apo. Meus olhos se arregalam ao sentir lágrimas molhando meu pijama, não posso acreditar nisso. Jamais em todos esses anos em que nos conhecemos vi Biuld chorar, no máximo quando éramos crianças e ele e Apo brigavam por causa de algum brinquedo. O que será que aconteceu para Biuld estar nesse estado?
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Olá pessoal. Não posso negar que foi um tanto quanto difícil de escrever esse capítulo, estive com um bloqueio criativo nos últimos dias, mas espero que gostem. Sei que ficou um pouco curto, mas foi o que consegui. Desculpem qualquer erro,por favor me avisem que irei alterar os erros. O feedback de vocês sempre irá ajudar. Beijinhos de luz 😚Ps: pesquisei pouco sobre a comunidade LGBTQIAPN+ na Tailândia, prometo que nos próximos capítulos farei uma pesquisa mais aprofundada no assunto. Sabemos que a sociedade tem muito o que aprender. Aprender a RESPEITAR e a AMAR as pessoas independentemente de sua cor e seu gênero. A comunidade LGBTQIAPN+ merece ser ouvida e respeitada.
Consideramos justa toda forma de amor ❤️
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Amor Em Conflito
Romance"Depois de 6 anos desde o falecimento de sua mãe, Barcode descobre que seu pai irá casar novamente. Por conta disso ele terá que ir morar com seus novos irmãos. O destino o levou a um lugar paradisíaco e a uma jornada inesperada." História sem fins...