1. Velório

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O dia estava nublado e frio, fazendo S/N apertar o casaco contra si mesmo que estivesse abrigada dentro da igreja. O clima estava um tanto agradável para se esconder embaixo das cobertas e ler algum livro, caso não estivesse no velório da filha do maior padeiro da cidade. S/N havia trocado poucas palavras com a garota em todos esses anos, mas precisava ficar ali, já que seu pai era o pastor. Ela não gostava de velórios ou enterros, achava tudo mórbido demais e a fazia se colocar no lugar daquelas pessoas, se relembrando em como é a dor de perder alguém tão importante.

A voz de seu pai ecoava pelas paredes, preenchendo o ambiente e se misturando com o choro das pessoas que eram mais próximas da moça, que agora repousava no caixão, sem vida. S/N suspirou, olhando para fora da janela e encontrando uma figura parada embaixo da grande árvore do cemitério, que ficava na lateral da igreja. Ele vestia calça e coturno pretos e uma regata cinza, deixando seus braços musculosos à mostra, provavelmente sem se importar com o frio que lhe envolvia. Seus cabelos escuros estavam bagunçados da mesma forma que estava todas as vezes que S/N o avistava aos arredores, principalmente quando consertava algo na igreja.

Não se lembrava muito bem do nome do rapaz, mas sabia que ele era filho do coveiro. O rapaz se encostou no tronco da árvore, levando um cigarro até os lábios e deixando a fumaça escapar pelos mesmos, se esvaindo pelo ar. S/N desviou o olhar da figura dele, voltando a prestar atenção nas palavras de seu pai.

Quando o velório acabou, a mulher seguiu atrás das pessoas até onde o caixão seria enterrado e entrelaçou seus dedos enquanto assistia as pessoas jogarem flores na cova. S/N voltou a se distrair e olhar ao redor, avistando mais uma vez o rapaz de antes, que agora se apoiava em uma pá, provavelmente esperando tudo aquilo acabar para fazer o que precisava. Se perguntou onde estava o pai dele, já que era o mais velho que costumava fazer o trabalho de manter o cemitério. Ele pareceu notar estar sendo observado, não demorando para fixar seu olhar no de S/N, que virou o rosto rapidamente enquanto sentia suas bochechas arderem por ser pega o observando.

Após minutos, as pessoas começavam a ir embora, e S/N preferiu se afastar, deixando com que seu pai tivesse mais privacidade para dar algumas últimas palavras de conforto aos familiares e amigos da moça. Sem notar, ela acabou a poucos metros do rapaz, que olhava para toda a cena sem emoção alguma nos olhos. A mulher ponderou por alguns minutos se deveria tentar puxar assunto ou ficar na sua, sem saber o que se passava na cabeça dele ou se ele ao menos queria conversar. Vendo que seu pai demoraria mais do que esperava, perguntou:

— Seu pai não veio hoje? - Sua voz chamou a atenção dele, fazendo com que virasse o rosto para analisá-la.

Em todas as vezes que o viu, notou que o homem sempre mantinha sua expressão séria, quase brava, e não falava praticamente nada. Já o viu trocando palavras com seu próprio pai ou com o pai de S/N, mas ela nunca chegou a realmente ouvir a voz dele. Ele apenas apontou com a cabeça para um ponto específico, onde o mais velho regava os canteiros de flores que rodeavam o cemitério.

— Você a conhecia? - Voltou a perguntar, e ele a encarou de cima à baixo, ponderando se estava a fim de responder. Sem receber uma resposta, ela suspirou. — Você realmente não é de falar muito, então. - Comentou, abrindo um pequeno sorriso e sentindo suas bochechas queimaram com o olhar dele fixo no seu.

— O que está fazendo aqui trocando palavras com ele, S/N? - Henry Collins, seu pai, esbravejou, caminhando a passos rápidos até onde os dois jovens estavam.

— Estava esperando pelo senhor. - Disse confusa, sem entender o tom usado pelo mais velho.

— Não me responda. - Ralhou e ela precisou se segurar para não lhe responder mais uma vez. Tinha vinte anos e ainda era tratada como se tivesse dez.

— Com licença, há algo errado por aqui? - O coveiro apareceu, limpando suas mãos em um paninho que voltou a guardar no bolso. Ele deu dois tapinhas no ombro do filho, encarando o mesmo por alguns segundos e voltando a olhar para o pastor.

— Nenhum problema, James. - Henry falou, lançando um sorriso simpático. — Só estava chamando S/N para irmos embora, não é mesmo, filha? - S/N apenas assentiu e notou o rapaz a encarando. — Até amanhã.

— Até amanhã, pastor. - James respondeu.

S/N e Henry voltaram para igreja e não demorou para que entrassem no carro. Quando o homem deu partida, ela olhou mais uma vez para trás, apenas para perceber que o rapaz estava parado, observando o carro se afastar até sumir de seu campo de visão.

— O que conversou com o filho do coveiro? - Questionou e S/N rolou os olhos sem que ele visse.

— Nada demais.

— Não quero lhe ver conversando com ele.

— Por quê? - Perguntou irritada. — Não é como se estivéssemos fazendo algo errado.

— Por que eu não quero! Quero você longe daquele rapaz e não me questione. - S/N cruzou os braços, querendo discutir com seu pai, mas tendo noção de que era inútil. — Amanhã você irá comigo para igreja continuar a praticar piano e mais tarde Vincent lhe buscará para irem à cidade.

— Não quero sair com Vincent. - Resmungou.

— Não importa o que quer, S/N. Sua mão já está prometida ao filho do banqueiro há anos.

Precisando morder a língua para não retrucar, S/N começou a olhar para fora da janela, ignorando seu pai. Desde a morte de Valerie, Henry teve que cuidar das três filhas sozinho e dividir seu tempo com a igreja. Grace tinha vinte e três, S/N vinte e Madalena dezoito anos, atualmente. Mesmo que já tivessem idade para se virarem sozinhas e tomarem suas próprias decisões, Henry continuava a controlar cada passo da vida delas, como se tivesse medo de admitir para si mesmo que as suas garotinhas haviam crescido. E, claro, isso gerava conflitos principalmente entre ele e S/N, que tinha dificuldade em aceitar alguém tomando as decisões por ela, sem que a deixasse expressar sua opinião e fazer suas próprias escolhas.

Há anos, essa ideia de casamento não entrava em sua cabeça. Não quando ela estava sendo forçada a se casar com o filho do banqueiro e não com alguém ao qual realmente amasse. Aquilo era um absurdo e não era somente porque suas irmãs não se importavam com aquela ideia ridícula que S/N também não se importaria. Tudo o que precisava era descobrir uma forma de fazer Vincent desistir de casar-se com ela. E descobrir porque seu pai parecia ter tanta aversão com a ideia da filha conversar com o filho do coveiro.

Semeone else - SehunOnde histórias criam vida. Descubra agora