3. Bar

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Deixando seus dedos deslizarem delicadamente sobre as teclas do piano, S/N acompanhava a melodia do coral com maestria. Afinal, suas diversas horas de treino tinham que servir para algo. Ela mantinha seus olhos fechados, sabendo exatamente onde seus dedos deveriam ir e apenas aproveitando o som do instrumento. Por mais que ela achasse - muitas vezes - que tocar para a igreja fosse um tédio, se sentia em paz. Sua mãe havia a ensinado a tocar piano desde muito nova. Tinha em sua memória cenas de sua mãe a colocando no colo e a ajudando a tocar sua música preferida. A menina criou gosto por aquilo e, enquanto o tempo passava, mais vontade de aprender tinha, principalmente após sua mãe falecer. Era quando tocava que S/N conseguia se sentir mais próxima dela, como se pudesse sentir as mãos de sua mãe segurando as suas e as guiando pelas peças brancas e pretas. Mesmo que fosse apenas uma ilusão para diminuir a saudade que tinha da mulher, S/N se sentia reconfortada. E somente aquilo importava.

Quando o coral chegava ao fim da música, S/N abriu os olhos, avistando Grace e Madalena em um dos primeiros bancos, sorrindo de volta para ela. Olhou também para as pessoas que acompanhavam a letra da música, cantando com adoração e empenho. S/N sempre sentia vontade de rir dos rostos contorcidos, olhos fechados, vozes que tentavam se sobressair das outras, olhares tortos ou expressões de tédio das crianças. A mulher se lembrava de sua mãe sempre a dizendo para sempre achar alguma razão para rir, por mais mínima que fosse. Infelizmente, naquele momento ela não poderia deixar uma risada sair de seus lábios nem morta senão arrumaria problemas com seu pai.

Assim que desviou o olhar para as portas abertas da igreja, seu pequeno sorriso sumiu dando lugar a uma expressão surpresa. O filho do coveiro estava apoiado na porta de madeira, as mãos escondidas confortavelmente nos bolsos de sua calça, seus cabelos negros estavam bagunçados e seu olhar intenso estava fixo nela, não desviando mesmo quando foi pego a observando. S/N rapidamente desviou o olhar, sentindo suas bochechas esquentarem e ela errou duas notas da música, se sentindo repentinamente nervosa e desconcertada. Ela não viu quando ele abriu um sorriso de canto e nem o momento que ele sumiu da entrada da igreja.

Quando a música finalmente chegou ao fim, S/N soltou um suspiro aliviado ao ver que ele não estava mais ali. Após seu pai finalizar a última oração e falar algumas palavras, as pessoas começaram a se levantar.

Mordendo o lábio de uma maneira ansiosa, enquanto não achava dentro de si a calma necessária, S/N desceu as pequenas escadas e se misturou entre as pessoas, conseguindo ir para fora da igreja sem que alguém a parasse. Ela não sabia dizer o que era aquela voz dentro de sua cabeça que a dizia para procurá-lo, mas ela não parou para questionar a si mesma sobre o que estava fazendo. Olhando ao redor, sem se importar com quem passava por ela e esbarrava em seu braço vez ou outra, S/N finalmente repousou os olhos na figura dele. Mais uma vez, ele estava encostado no tronco da grande árvore do cemitério, um cigarro entre seus lábios e a postura relaxada. Um pano sujo com algo preto saía de seu bolso e ele passou os longos dedos por seu cabelo, o bagunçando mais ainda, e pegou o cigarro, soltando a fumaça de sua boca sem pressa alguma.

S/N passou a língua pelos lábios, sentindo sua garganta seca de repente. Ela sabia que era errado ficar o observando, ainda mais na frente da igreja para qualquer um perceber, mas ela orava para que estivessem cuidando de suas próprias vidas e não da dela. S/N só queria fazer duas perguntas. Somente isso e ela voltaria para igreja junto de suas irmãs, lugar em que ela deveria estar naquele exato momento.

Respirando fundo, a mulher deu o primeiro passo na direção dele. Os pequenos saltos de seu sapato afundavam levemente na grama úmida por conta da chuva de mais cedo, fazendo S/N andar devagar e com cautela para não escorregar. Quando ele percebeu alguém se aproximando, deixou seu olhar cair sob a moça, a analisando dos pés à cabeça por breve segundos, voltando a olhar para frente.

Semeone else - SehunOnde histórias criam vida. Descubra agora