Batalhas

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Sem correção.
Capítulo maior para compensar o atraso.

Uma semana depois de ter comparecido à penitenciária e resolvido sua vida tanto no escritório quanto a pessoal, Sanders pode voltar a Londres, tendo ainda mais certeza das decisões que iria tomar. Com a aceitação de Adele de ficar ao seu lado, endureceu o escudo de gelo que achava ser uma proteção para não sucumbir aos encantos de Elisabeth Fletchers no tempo em que estivesse na capital inglesa. Estava chegando àquela cidade consciente do que iria enfrentar convivendo tão de perto com ela novamente. Nenhum milagre havia acontecido do dia para a noite, estava certo disso. Ela ainda amava William, e a maneira com a qual agiu, quando estava morando em seu apartamento, parecendo estar mudada, era falsa. Tudo não passava de uma tática de sua personalidade vil. Toda recordação que tinha dela tinha gosto de amargura. Manipuladora, Liz planejou tudo friamente para conquistá-lo depois de se ver pobre. As palavras de Adele ecoavam ainda em seus ouvidos como uma verdade: "Liz foi traída por todos os lados. Pelo noivo. Pelos parentes. Pelos amigos. Você estava sendo apenas uma meta a ser alcançada para ela conseguir se reerguer. Elisabeth é puro veneno. Ela brinca com a vida das pessoas como se elas não passassem de peças de xadrez em seu tabuleiro! Mas a vida é justa e se encarregou de dar a ela um xeque mate."
Era isso, Adele sempre certeira em suas constatações!
Não se deixaria ser enganado de novo! Tinha em mente objetivos concretos para proteger também o seu filho, e com Adele ao seu lado, as suas chances de conseguir matar o que sentia por Liz aumentavam consideravelmente. O que mais poderia querer de sua vida, do que ter ao seu lado, uma mulher como a atual namorada, que estava disposta a tudo, honestamente, diga-se de passagem, para tê-lo ao seu lado?!  Era a combinação perfeita, ela o amava e ele só precisava ser carinhoso e a satisfazer, sem precisar ficar a sua mercê sentimentalmente. Adele era tão diferente, em caráter de Liz!

Voltou a cabeça para a janela do táxi, enquanto se dirigia ao hotel, o qual, por alguns meses, passaria a ser o seu novo lar, observando a manhã do final do outono londrino, como se, assim, pudesse apagar tudo o que havia vivido com a ex-noiva do seu melhor amigo da memória. Racional, ele lembrava o tempo todo de como ela o usara e desprezara seus sentimentos e de como se jogava nos braços de um amante após outro depois de William se decidir por Cindy. Lutaria, bravamente, para não perder o equilíbrio, diante da situação que ia enfrentar. A muito custo conquistara a confiança de Adele de novo, e Sanders seguia para a batalha armado com o seu orgulho, que tantas vezes o manteve afastado dos encantos sexuais de Liz. Ele poderia ter a mulher que quisesse, na cama que quisesse, mas por decisão, não teria Liz. Ela, nunca mais.

No quarto de hospital, a porta estava guarnecida por dois policiais como o juiz determinara. A transferência de Elisabeth fora feita há pouco menos de uma hora de Baytonville para um dos melhores complexos hospitalares de Londres, e no dia seguinte, como fora informada, seria submetida a uma infinidade de exames para darem início ao seu tratamento. O quarto asseado, sua prisão dali para frente, lhe inspirava uma certa tranquilidade. Ela empurrou a mesa de rodinhas com o prato de sopa ainda pela metade. Por mais que se esforçasse para se alimentar, seu apetite e organismo não colaboravam. Com cuidado, ela saiu da cama e virou a cabeça, respirando fundo para afastar o enjôo que estava tendo, e andou até a janela. Esfregou os braços para espantar o frio e grudou a testa contra a vidraça onde as gotas da chuvinha fria batiam nas grades lá fora. Tinha chegado naquele quarto gelada, e por mais que tivesse feito uma refeição quente e o lugar possuir um ótimo sistema de aquecimento, a roupa hospitalar de algodão cru não dava conta de aquecer seu corpo frágil, debilitado e nervoso naquele momento.
Ao menos, o espaço era amplo, claro e limpo. A cama macia tinha cobertores grossos e quentes, e não ouviria aqueles assombrosos barulhos, que ecoavam pelo pavilhão depois que escurecia, do abrir e fechar que as chaves e correntes produziam nas aberturas gradeadas. Os sons foram denominados por Evan como "o barulho da morte", por se tratar do caminho que as presidiárias, com as carcereiras, faziam pelos corredores até às solitárias.
Analisou os ângulos da construção lateral. Dali, daquela janela, dava para ver a vida lá fora, e nos dias de sol, pela posição dela, os raios certamente, entrariam pelos vidros e o ar mesmo que frio, a ajudaria a se sentir viva.
A cena de uma moça bem arrumada e sorridente, protegida pelo guarda chuva do namorado, entrando num táxi, a fez lamentar ainda mais a liberdade que havia perdido. Não só a liberdade, mas a chance de ter Sanders ao seu lado, criando o bebê que viria ao mundo dali a dois meses. Uma dor começou a se insinuar no fundo de seu peito. Ela havia tido a chance de conhecer o amor na sua forma mais linda. Sanders o tinha oferecido a ela, e ela o havia rejeitado.
Ainda olhando para a rua, onde os carros se aglomeravam lutando por um espaço no trânsito daquele início de noite de sexta-feira, ela sentiu uma enorme vontade de chorar.
As nuvens prometiam mais frio e chuva, e as primeiras luzes noturnas começavam a brilharem nos altos edifícios das imediações, tranquilas. Seria, praticamente, uma carícia brilhante se ela estivesse nos janelões de uma cobertura do Central Park Avenue, bebericando uma taça de champanhe, depois dela e Sanders, fazerem amor sobre o tapete felpudo em frente a lareira. Tantas vezes viveu as cenas que lhe passavam pela mente, mas não soubera dar o devido valor! Como não entendera nessas ocasiões, que ela era dele?! E ele era seu?! Como pode ter ignorado uma verdade tão simples pelo orgulho ferido de ter perdido Will para uma faxineira?!
Onde estaria Sanders naquele início de noite? Com a delicada e perfeita Adele, sentados no "terrazzo" de algum restaurante italiano, rindo e conversando amenidades em Nova Iorque, esperando mesas vagarem para um jantar especial? Ou estariam cozinhando, bebendo vinho, num clima romântico no apartamento dela? O simples imaginar, lhe trazia dor. Como pode não ter enxergado o homem maravilhoso que Sanders fora para com ela?
Inspirou o ar e
sorriu numa mistura de nostalgia e tristeza.
Em outra época, estaria indo para algum happy hour com amigos, bem vestida, admirada por todos aonde pisava.
Amigos... Nunca tivera amizades sinceras.
Puxou a persiana resignada, respirou devagar, empertigou os ombros e olhou a pequena mala com seus parcos pertences, em cima da poltrona, achando que o melhor a fazer era esquecer a vida que levara antes, porque jamais voltaria a vivê-la, e aproveitar o que ela lhe oferecia de "bom" no momento, além do leito macio: um banheiro privativo. Há muitos meses, que não sabia o que era ter o jato de uma ducha quente caindo sobre seus ombros. Em Baytonville, os banhos eram frios e os tomava com muita rapidez, para não ser alvo de assédio sexual por parte outras presidiárias. Um banho quente, um bom sabonete ou shampoo custavam caros. Não no sentido literal do valor em dinheiro, mas como moeda de troca para se obter sexo com outras presas. Um preço muito alto, que Liz, por não sentir atração pelo mesmo sexo, se recusava a pagar para ter acesso a algumas regalias. A solidão, a privação de afeto e companhia, traziam à tona os desejos e atos mais inescrupulosos na prisão.
Atravessou o espaço, abriu a mala e pegou a toalha já desgastada pelo uso.
Ligou então o chuveiro e deixou que o jato quente corresse sobre a cabeça.
A sensação de liberdade da água em contato com a pele foi incrível! Mesmo o chuveiro não sendo igual aos outros, que outrora fora acostumada e os pingos não tão grossos e generosos, ele no momento, lhe pareceu o melhor dos luxos e agradeceu. Depois de meses, ela redescobria o prazer de se banhar sem a mente estar sob alerta para se defender de algum assédio. Ensaboou a barriga carinhosamente. Ela e seu bebê por um tempo estavam livres da violência de Baytonville e se recuperariam ali. E mais, teriam as visitas de Sanders. Sentiu o coração contrair de prazer diante dessa possibilidade.
Talvez pudesse fazê-lo mudar de ideia quanto a levar o filho da Inglaterra. Era uma vã esperança. E com suas visitas, ela passaria a plantar e cultivar o assunto na mente de Sanders para tentar fazê-lo mudar de ideia.
Ficou ali, se ensaboando, esfregando o cabelo, com um sorriso leve flutuando ao redor do rosto. Era disso que precisava, água quente e esperança.

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