Capítulo 7

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Quando cheguei ao teatro notei a ausência de algumas pessoas, o que significava que o ensaio iria demorar a começar. Levou cerca de 15 minutos até todos se fazerem presentes. Sem perda de tempo o maestro Ludovico Sanchez se posicionou, e todos nós, integrantes da orquestra, assumimos nossos respectivos lugares. Tudo ia bem, porém, cometi um erro, que para muitos seria um completo despautério, isso se deu por falta de constância nos treinos. Recomeçamos e eu não voltei a falhar, todavia, notei que o maestro estava de olho em mim e aquele olhar não era bom. Ao término, Sebastian e eu fomos chamados para uma conversa, eu já imaginava a tremenda bronca que eu iria levar, mas não entendia o porquê do Sebastian também ser convocado.

Entramos em uma das salas do teatro. Sempre tive curiosidade para ver como ela era por dentro; suas paredes tinham um tom vermelho carmesim e os detalhes das colunas em branco, havia alguns quadros renascentistas, os sofás e as poltronas possuíam uma coloração semelhante ao das paredes, entretanto, um pouco mais escura. As cortinas, que deixavam a sala ainda mais charmosa, seguiam o mesmo padrão com o acréscimo de detalhes em dourado na barra, havia também alguns vasos de porcelana, um lustre belíssimo e um carrinho de bebidas. Sentamos em um dos sofás chiques, enquanto que o maestro ia em direção ao carrinho para servir uma bebida para si mesmo, e só então, sentou-se em uma das poltronas. Ele estava muito sério, parecia possesso de raiva, diante disso não tive nem esperanças de que ele ofertasse uma dose da bebida.

- Como é do conhecimento de todos, o concerto acontecerá amanhã e hoje, infelizmente, aconteceu algo deplorável e enfadonho - ele olhou diretamente para mim e prosseguiu - não imaginei que suas ausências nos ensaios resultariam em tamanho desvalimento, senhor Silver. Acreditei fielmente, quando disse a mim que treinaria em casa.

- Desculpe-me, tive uns imprevistos.

- A mim, não interessa o que você teve ou deixou de ter, é inadmissível um erro de tal magnitude, ainda mais horas antes de uma apresentação que é tão importante para todos nós. - Ele levantou da poltrona segurando o copo com a bebida, tomou um gole e continuou sua fala - Está fora desta apresentação senhor, Adam Silver. Pegue suas coisas e saia!

- Quem vai solar? Não tem ninguém com minhas habilidades, foi a primeira vez que errei, não pode fazer isso! - Disse consumido pelo ódio.

- Sebastian é um violinista incrível e totalmente capaz de solar! - Afirmou ele com convicção.

- Cometeu um grande erro!

Guardei meu instrumento e sai furioso. Eu não iria permitir ser humilhado nesse nível absurdo. Algo tinha de ser feito. Parei de caminhar em frente a um beco que ficava próximo a um café. Nesse momento, quase que automaticamente, meu cérebro conseguiu formular uma solução eficaz, contudo, resultaria em mais uma trabalheira.

Seria arriscado matar mais uma pessoa, ainda mais em plena luz do dia, eu tinha de ser paciente. Foi quando avistei Sebastian saindo do teatro. A casa dele ficava descendo a rua do café, então resolvi fingir uma frustração sem fim. Inicialmente coloquei o estojo encostado na parede e berrei com as mãos na cabeça, e por fim, chutei uma lata de lixo.

- Ei, Adam, calma. - Disse Sebastian ao se aproximar.

- Que droga! - Exclamei com exaltação.

- Calma, cara, são coisas que acontecem.

- Tem ideia da humilhação que é isso?

- Tenho, mas ficar assim não resolve, sabe o que ajuda a relaxar e tirar da mente coisas como essa?

Fiquei em silêncio de cabeça baixa.

- Um café, vamos tomar um ali, é o melhor café da cidade.

- Tá.

Peguei o estojo do chão e fomos para o café. Fizemos o pedido e sentamos a mesa. Não demorou muito para ele começar a conversar comigo sobre coisas aleatórias. Ele tinha uma boa conversa, confesso, tão boa que não vi o tempo passar. Era tudo que precisava, que o tempo passasse rápido. Comemos e tomamos o tal café, tinha que concordar, era realmente bom. Dava pra ver que Sebastian era dono, não só de uma conversa agradável mas também de um paladar excelente. Tê-lo como amigo não seria de todo ruim, porém, agora ele iria ficar no meu lugar, ganhar os meus aplausos, os meus elogios, ter a atenção que seria toda minha; e no momento, isso faz dele meu maior inimigo.

- Caramba, já está anoitecendo, tenho de ir para casa - disse ele ao se levantar - foi um prazer ter espairecido com você, Adam.

- Igualmente, o café é realmente bom.


- Até outro dia. - Ele caminhou até a porta.

- Sebastian? - gritei.

- Oi. - Ele respondeu com a mão na maçaneta da porta.

- Quero mostrar algo a você, poderia me acompanhar? - Indaguei com um sorriso amarelo estampado no rosto.

- Claro, vamos. - Ele disse animado.

Fui na frente e ele veio logo atrás, eu sabia que por mais que já estivesse um pouco escuro ainda teria riscos, mas eu não poderia deixar essa chance passar. Amanhã será o grande dia, o meu dia. Passamos por um container de lixo, eu parei de andar, ele parou ao meu lado.


- O que quer me mostrar aqui? - Ele perguntou confuso.

Rapidamente eu me movi para trás dele e dei uma chave de braço de pescoço e puxei-o para trás a fim de derrubá-lo no chão, depois de muito esforço consegui. Logo, ele começou a bater-me e tentou impedir que eu ficasse por cima dele, o infeliz conseguiu até acertar um soco no meu rosto, mas ainda assim suas tentativas foram falhas. Consegui segurar no pescoço dele e então comecei a apertar. Enquanto ele se debatia e tentava agarrar o meu pescoço, eu observava seu rosto mudar de cor, foi do tom natural ao vermelho e em seguida ao roxo. Seus olhos ficavam cada vez maiores, eles pareciam implorar pela vida, sua boca aberta procurava pelo oxigênio que a depender de mim não voltaria a entrar em seus pulmões novamente. Ele parou de se debater em alguns minutos. Sebastian, o substituto incrível, estava morto. E dentro de mim percorria uma adrenalina prazerosa.

Abri o container de lixo e tirei alguns sacos de dentro, arrastei o corpo do Sebastian e o posicionei em frente ao contentor. Certa vez, vi um bombeiro ensinando uma técnica para pegar uma pessoa que estava desmaiada com mais facilidade, ela consistia em fechar as pernas da pessoa, dobrar seus joelhos e puxá-la para o ombro; essa era a minha chance de testar. Depois de colocar o corpo sobre os ombros joguei-o dentro do container. Coloquei o lixo de volta para cobrir o corpo e fechei a tampa, mais tarde daria um jeito de vir pegá-lo. Por sorte o caminhão de lixo só passaria naquela rua na outra semana.


Peguei os dois estojos e corri em disparado pelo beco que tinha saída em outra rua. Quando virei para subir a rua, esbarrei em um homem alto e robusto.

- Vai pra onde com tanta pressa, garoto?

- Pra casa.

- Ela está em chamas? - perguntou o homem desconhecido.

- Não, mas tinha um cachorro correndo atrás de mim. - Respondi desajeitado.

- Ultimamente tem muitos cães na rua, o pessoal está comprando e não consegue cuidar, acabam abandonando.

Eu concordei com a visão dele a fim de me livrar o mais rápido possível.

- Eu comprei um recentemente. Chumbo, é o nome dele.

Aquela conversa de merda tinha tudo pra ser apenas uma conversa inútil, mas resultou em uma grande ideia.

- Onde comprou seu cachorro? - Indaguei.

- Na PetWorld.

- Qual a raça?

- É um Chow-Chow cinza.

- Tenho que ir pra casa agora.

- Você é um garoto esquisito, filho. - gritou ele enquanto eu corria.

Precisava chegar em casa e fazer algumas pesquisas. A ideia era boa e eu tinha de pô-la em execução. Ao chegar em casa vi o meu pai batendo na traseira de uma das caminhonetes da madeireira.

- Estão levando as coisas para o lugar novo? - perguntei.

- É. - Respondeu com as mãos na cintura.

Ele parecia ter dado um duro danado aquela tarde, sua camisa, boné e rosto estavam molhados de suor.

- Amanhã terei um concerto, vou ser o solista, você vai ver a apresentação?

- Tenho compromisso amanhã.

- Com outra puta? Qual a da vez? - fiz uma pausa quando senti a raiva assumindo o controle - A ruiva da semana passada? Ou a loira do beco das drogas, onde você cheira umas todas as noites?

- Cala essa boca, seu filho da puta! - Ele andou na minha direção como se fosse me dar um murro.

- Vai me bater como fazia com a mamãe? - Encarei o velho - não se esqueça que eu não sou ela, eu sou tão macho quanto você!

- Some da minha frente agora! - Berrou ele.

Entrei na casa furioso, fui direto para o quarto, coloquei os estojos na cama e liguei o computador. Estralei os dedos e comecei a fazer pesquisas sobre cachorros e me interessei muito por uma raça chamada: Pastor-da-Ásia-central, mais conhecida como Alabai. É uma raça primitiva que existe há mais de quatro mil anos, podendo ser encontrada no Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Turquemenistão e Tajiquistão; simplificando encontra-se do Mar Cáspio até a Magnólia, e dos Montes Rurais até o Afeganistão. Devido sua resistência, equilíbrio, força e lealdade, em 1930 a antiga União Soviética inseriu essa raça para compor seus pelotões.

Um cachorro dessa raça adulto pode alcançar no mínimo 70 cm de altura, pesando em média 50Kg e viver por 17 anos. A raça é tão incrível que o presidente do Turquemenistão, o ditador Gurbanguly Berdimuhamedov, mandou fazer uma estátua dourada de um cachorro dessa raça já que estes tiveram um papel importantíssimo no destino histórico da nação. Tudo a respeito desse cachorro chamou minha atenção, mas seu apelido terminou de me ganhar "destruidor de lobos".

Estava decidido, eu compraria esse cachorro e faria dele meu companheiro fiel. E, seria também, uma vingança que faria meu pai chorar, já que doeria no bolso dele.


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