Capítulo 15

16 5 2
                                    

Quinze dias se passaram desde que papai morreu. A casa ficou quieta como nunca antes. Absolutamente ninguém apareceu com cervejas e drogas, ninguém sujou e quebrou os móveis. Jamais havia tido tamanha solitude neste lugar.

Acordei no horário de sempre, fui á cozinha, abri a geladeira e não vi muitas opções do que comer, então decidi fazer ovos mexidos com bacon. Liguei a Tv para ver as notícias enquanto eu saboreava minha delícia de café da manhã. No noticiário, uma apresentadora robusta e de cabelos escuros, informava sobre o progresso nas buscas por Sebastian e que a família ainda tinha esperanças de encontrá-lo vivo. Dei uma risada ao ouvir a última parte, era engraçado ser o único a saber que tais esperanças eram vãs. Organizei a cozinha e fui para a escola. Não me vesti bem, não estava animado para sair de casa. Resolvi ir caminhando, era melhor pra organizar os pensamentos.

Assim que as coisas que eu pedi na web chegarem eu vou dar andamento no meu projeto de colecionador. Eu sempre gostei do mundo artístico, por isso minha paixão pelo violino, e agora serei como um escultor - farei duas peças para adicionar as memórias que guardo no meu receptáculo de madeira.


Fiquei parado em frente a porta da escola e antes de entrar refleti o quão desagradável seria esbarrar com o Bruno pelos corredores. Respirei fundo e entrei.

No primeiro corredor, onde ficava a sala da secretaria e da monitoria, tinha uma garota de baixa estatura, de cabelo castanho com mechas azuis e com uma camisa do metálica. Eufórica, ela parava a todos que passavam por ali e fazia perguntas; até que o último, que ela parou, olhou em volta e apontou para mim. De repente ela começou a andar em minha direção. E lá vem problema, pensei.

Segui pelo corredor normalmente, fingindo que não tinha visto nada, mas ela logo me acompanhou.

- Oiii! - Exclamou quando conseguiu acompanhar meu passo. - Sou nova aqui, meu nome é Emmy, e você foi designado a ser meu monitor.

- Como é? - Indaguei parando de andar.

- Você é meu monitor, é o que diz a folha. - Ela ergueu a folha na altura do rosto e apontou o meu nome.

- Deve ser engano. - Peguei a folha da mão dela e dei meia volta no corredor.


- Onde vai? - Ela perguntou.

Eu não respondi, apenas segui caminhando olhando o papel, incrédulo.

- Eu tô falando com você - Ela cutucou meu ombro -, perguntei para onde você vai, eu devo ir também?

- Primeiro, não me toque. - Falei ao parar de andar - Segundo, não me siga, eu não sou sua babá.

- O papel...

- Foda-se o papel. - Interrompi antes que ela terminasse a frase.

Entrei na sala da monitoria.

- Dá pra explicar essa merda? - Ergui o papel pra secretária.

- Estamos com um novo programa na escola, recebemos muitos alunos novos esse semestre e recrutamos os alunos com as melhores notas para ajudar na adaptação deles.

- Eu não quero.

- Não é uma escolha.

- Que droga!

- Olha a boca. - Reprendeu a mulher.


Saí da sala furioso.

- Por onde começamos? - Perguntou a garota de sorriso largo.

- Sua sala fica daquele lado - apontei para a esquerda. -, ao lado do bebedouro.

- Você não vai me acompanhar?

- Você não tem três anos.

Entreguei a folha a ela e fui para minha sala. Ao entrar na sala, vi Bruno sentado na mesa da Blenda enquanto ele conversava com ela. Apertei a alça da mochila como se eu estivesse apertando o pescoço dele.

Sentei no meu lugar e evitei olhar para a direção deles. Quando a professora entrou, o estúpido entendeu que era a hora de ir para a própria sala. Quando estava passando por mim, ele puxou um bilhete do bolso e colocou na minha mesa. Olhei o pedaço de papel e sorri com o canto da boca.

"Meia noite esquina com a rua oitava no prédio antigo" - dizia o bilhete escrito com uma caligrafia horrível. Qualquer um com bom senso diria que Bruno nem era alfabetizado. Ele não colocou ponto final no bilhete, mas parece que vamos colocar um na nossa rixa hoje.

No intervalo, fui sentar-me de baixo de uma árvore que eu chamava de minha, ela ficava no gramado nos fundos da escola, nessa parte também tinha um campo de futebol e uma quadra. Eu gostava de sentar ali para ler, o livro da vez era "1984", foi um dos que escolhi na feira de livros logo depois da briga. Abri e comecei a ler, estava na primeira frase do quarto capítulo, quando fui interrompido por uma voz estridente e extremamente irritante.

- Oiii. - Disse Emmy. - Estava procurando você, o que está lendo?

- Um livro.

- Qual o nome? É sobre o quê? Tá gostando? - Ela perguntava freneticamente.

- Não tem outra coisa pra fazer?

- Não, só conheço você.

- Devia começar a fazer amizades.

- Eu já tenho você.

- Não, não. - Disse fechando o livro com raiva - Nós não somos amigos, não existe um você e eu.

- Você é meu monitor, então, existe um nós. - Argumentou ela contente.

- Isso é temporário, só até você se adaptar. - Falei recostando a cabeça na árvore enquanto olhava o céu.

- Não é não, aqui diz durante um ano.


- Maldita folha de papel! - Tomei a folha da mão dela e rasguei ao meio.

- Tá zangado?

- Não, eu só gosto de rasgar as coisas por bel-prazer.

- Tá sendo irônico?

- Céus! Cala a boca, chega de tantas perguntas, você vai acabar me deixando louco.

- Todos somos loucos, há estudos que...


- Calada! Ou eu corto sua língua fora, garota. - Disse possesso olhando dentro dos olhos dela.

Ela não demonstrou medo ou nada parecido, encarou-me sem expressão.

- É, você realmente está zangado.


Levantei e caminhei com o livro em baixo do braço esquerdo e as mãos dentro dos bolsos da calça. Emmy não estava satisfeita, acompanhou-me saltitando como um coelho feliz por ganhar uma corrida contra uma tartaruga.

- Por Deus, garota, da um tempo! - Berrei ao parar de andar.

- Parece que tem alguém que não sabe lidar com pessoas. - Disse Blenda logo a frente ao ver toda a cena.

Ela se levantou e veio até nós. Sua beleza estava incomparável como todos os dias, seu cabelo a luz do sol ficava ainda mais belo.

- Ela é pior que uma criança. - Falei de cara amarrada.

- Ele é meu monitor, eu dei muita sorte. - Falou a garota.

- Com certeza você é uma pessoa de sorte. - Disse Blenda olhando para mim.

- Vocês são namorados?

Eu quase tive um treco com aquela pergunta, não sabia reagir ou o que dizer.

- Não, lindinha, somos conhecidos. - Disse Blenda pegando no cabelo de Emmy.

"Conhecidos", é isso que nós somos na cabeça dela? Conhecidos que já se beijaram intensamente e que, talvez, se não tivesse tido uma interrupção indesejada, algo mais teria acontecido; apenas conhecidos fazem isso? - Pensei.

- Que bom. - Respondeu Emmy.

- Bom? - Indaguei. - Só pode está de brincadeira.

"Por hoje, já deu pra mim, universo."- Berrei com os braços erguidos para os lados enquanto andava em direção a escola.

Entrei na minha sala, sentei na cadeira e peguei um caderno de anotações que estava na minha mochila e comecei a folhear.

- Você tem que ser mais calmo se quiser lidar com aquela garota. - Disse Blenda ao sentar na beira da mesa que estava a minha frente.

- Ela é insuportável.

- Que isso, gatinho, não fica assim. - Ela disse acariciando meu rosto.

O toque dela me deixava nas nuvens, eu já nem sabia mais o que era raiva.


- Você é perfeita. - Afirmei olhando nos olhos dela como um idiota faria.

- Sabe o que seria perfeito?

Balancei a cabeça em negativa. Ela sentou completamente na mesa, apoiou os pés na cadeira onde eu estava sentado e ficou com as pernas abertas. Blenda estava usando uma saia rodada na cor preta, quando abaixei a vista pude ver sua calcinha vermelha de renda.

- Puta merda! - Disse com o queixo caído.

- Nos falamos depois, gatinho. - Ela colocou o dedo no meu queixo para fechar minha boca.

Ela desceu da mesa como se nada tivesse acontecido. Eu ainda estava processando o que acabara de acontecer quando a professora entrou na sala avisando que todos estávamos liberados, pois a escola estava com alguns problemas na eletricidade.


Peguei minhas coisas e saí. Antes de chegar na saída Emmy brotou do chão.

- Você vai pra onde agora?

- Casa.

- Posso ir também?

- Não.

- Por que não?

- Eu não quero.

- Você precisa me conhecer.

- Não.

- Como vai me ajudar na minha adaptação?

- Falando o que você tem que fazer.


- Você gosta de animes?


- Não.

- Por que não?

- Emmy, eu acho que falei que não quero você na minha casa.

- Eu sei.

- Então, por que você ainda está caminhando na direção que eu estou indo?

- Minha casa é nessa direção.

- Ótimo, mas a rua tem duas calçadas.


- Eu sei.

- Então?

- Minha casa fica deste lado da rua.

- Isso só pode ser um complô contra mim.

Seguimos andando pela avenida, ela não calou um segundo, estava sempre falando sobre os animes que vira ou os que queria ver. Eu estava a beira de um surto, a casa dela parecia nunca chegar. Já estava a cinco casas da minha e ela ainda não tinha entrado em nenhuma.


- Sua casa não passou?

- Não, ela é aquela ao lado da casa em tom de areia com as palmeiras na frente.

- Não está falando sério, não pode ser.


- Sim, nós somos vizinhos. - Ela disse animada. - Eu observei você nas últimas semanas, foi triste o que você fez com seu pai, mas eu entendo você.


Receptáculos: A primeira coleção Onde histórias criam vida. Descubra agora