Capítulo 8

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Depois que terminei minhas pesquisas desci e fui até a cozinha preparar algo para o jantar. Eu não sou um bom cozinheiro, mas eu precisava colocar meu pai para dormir com outro comprimido daquele remédio, esse era o método mais eficaz para ter o carro disponível para resolver minhas bagunças. O papai nunca deixava a mamãe dirigir, segundo ele, mulheres não tem capacidade para tal e sequer deviam ter o direito de tirar a carteira de habilitação. Quanto a mim, tenho permissão para assumir o volante, desde que eu esteja acompanhado por ele já que não tenho carteira. Ainda faltam dois longos anos para que eu alcance a maioridade, entretanto, não tenho tanto tempo assim para enterrar mais um corpo.

Procurei no congelador algum tipo de carne e notei que logo teria que retirar a mão do Alex de lá, pois os congelados iriam acabar muito provavelmente nessa semana; e como meu pai ainda estava entre os vivos, eu não poderia correr o risco de deixar ele encontrar algo que, para ele significaria que o filho não era o completo imbecil que ele achava que era. O fato de ter muitos problemas para resolver quase ao mesmo tempo, deixava‐me aflito, parecia que eu não estava no controle da situação, e eu detesto não me sentir no controle. Vamos, Adam, respire fundo e aja!

Lembrei que tinha de fazer novos tweets sobre a vida de viajante do Alex. Tweets feitos, agora poderia esquecer o problema da mão, por enquanto, e focar no jantar. O menu da noite teria como prato principal frango desfiado com queijo e bastante ketchup, acompanhado de purê de batata e para a sobremesa teríamos uma boa e velha dose de uísque com um ingrediente especial para o alfa da casa. Levei cerca de uma hora para preparar tudo. E antes de chamar meu pai resolvi transformar o comprimido em um pó para deixar as coisas mais práticas e rápidas. Quando guardei o pó em um saquinho plástico ele entrou na cozinha.

- A comida está feita. - Falei ainda ressentido.

- Ótimo! - Disse ele alisando a barriga - Estou faminto.

Ele serviu seu próprio prato e eu fiz o mesmo, sentamos a mesa um de frente para o outro. Terminei de comer primeiro e ele acabou logo em seguida, retirei os pratos da mesa e coloquei-os na pia e ofereci uma dose da bebida que, obviamente, jamais seria recusada. Então, lá estava eu, mais uma vez preparando uma dose de sonífero. Ele bebeu-a como da última vez e eu subi para tomar uma ducha bem relaxante enquanto o remédio fazia efeito.

Quando estava saindo do banho ouvi meu celular tocar, peguei-o e tinha uma mensagem de um número desconhecido, eu cliquei nela para ler seu conteúdo e estava escrito apenas: oi estranho. Curioso como sou, perguntei imediatamente quem estava do outro lado da tela e quando recebi a resposta um relevo se formou por baixo da toalha; ler, ouvir e pensar em seu nome me causava erosões. Era Blenda, abaixo de seu nome ela escreveu que amanhã nos encontraríamos em sua casa para falar sobre o trabalho de biologia. Confirmei minha ida, porém, eu tinha esquecido completamente desse trabalho. Para não cometer a loucura de ativar o modo fúria da única pessoa por quem eu sou capaz de fazer tudo, amanhã bem cedo eu teria que fazer as pesquisas sobre o tema do trabalho para poder apresentar a ela a tarde.
Coloquei uma roupa, penteie o cabelo, usei meu perfume predileto e desci as escadas. Fui até a cozinha para conferir se tudo estava de acordo com o plano, e de fato, tudo estava como o esperado. Peguei as chaves do carro e dirigi até a rua do teatro ao som de Chopin, um dos meus pianistas preferidos. Parei em frente ao beco, engatei a marcha ré, manobrei e coloquei o carro próximo do container. Abri a tampa, tirei alguns sacos e vi que o Sebastian ainda estava lá como eu tinha deixado. Comecei a retirar todo o lixo de cima do corpo e contemplei o rosto dele. Olhá-lo fez com que eu refletisse sobre o que aconteceu. Eu tinha dito a mim mesmo que não voltaria fazer isso de novo, o Alex deveria ter sido o primeiro e o último. Eu não sou um assassino, não sou ruim, não sou um monstro. Eu tive que fazer isso, eu precisava, não tinha outra escolha. "Desculpe Sebastian, mas tinha que ser assim." - Eu disse olhando para o corpo.

- Adam? - chamou uma voz próxima a mim.

Meu corpo estremeceu, levantei a cabeça rapidamente e olhei para a direção de onde veio a voz.

- O que está fazendo? - perguntou o Sr. Antônio, o vigia do cemitério.

Fiquei em silêncio procurando na mente uma resposta cabível para seu questionamento. O que eu poderia ter perdido em um lixo que não ficava perto da minha casa? E o quê, de tão importante que eu não poderia comprar outro?

- Ontem eu saí do teatro furioso por ter errado uma parte da música e acabei jogando a partitura aqui - falei tentando passar confiança - na minha cabeça parecia que eu não iria usar nunca mais aquelas páginas. Irei ser o solista no concerto de amanhã e preciso ensaiar muito hoje, pois tenho de ser perfeito na apresentação.

- Compreendo, filho, espero que encontre - ele afastou-se e começou a andar descendo o beco no sentido da rua do café - e boa sorte na apresentação amanhã. - gritou ele já um pouco distante.

- Obrigado! - berrei de onde estava.
Essa foi por pouco, ainda estou sentido um frio na espinha. Se ele tivesse tentando se aproximar do container para olhar dentro ou mesmo ter se oferecido para ajudar na busca, eu teria de matá-lo também. Longe de mim querer fazer isso novamente, mas seria ele ou eu. Esse, com certeza, será o último corpo que terei de enterrar naquele cemitério. Vamos, Adam, foque no que é importante.

Continuei colocando o lixo para fora, quando terminei fiz um alongamento para poder pegar o corpo, essa não seria uma tarefa fácil. De repente ouvi alguns passos e olhei em volta, mas não vi nada e nem ninguém, talvez fosse coisa da minha cabeça por causa do susto de alguns minutos antes. Com muito esforço consegui ergue-lo, depois puxei para fora, ele estava muito pesado. Ajeitei o corpo dele como da última vez e coloquei-o no porta‐malas e o fechei. Joguei todo lixo de volta ao container e voltei para casa.

Ao chegar a casa coloquei o carro na garagem e fui pegar um lençol velho para enrolar o Sebastian e colocá-lo no meu guarda‐roupa. Devido o fato de eu ter que ensaiar para o concerto, só conseguiria enterrá-lo na segunda-feira á noite, pois domingo será o grande dia, o meu dia. Subi arrastando o sucumbido pelos degraus da escada, em seguida coloquei ele no lugar onde passaria algumas noites. Eu estava morto, completamente destruído e com dor nas costas, mas eu ainda não poderia dormir e ter o merecido descanso, mesmo assim deitei no chão por alguns minutos.

O chão estava frio, isso me fez lembrar da temperatura da pele do Sebastian, o Alex também estava frio quando eu estava terminando de serrar ele; essa é a chamada, autólise, a primeira fase da decomposição, depois dela vem a putrefação e seria só nessa fase que eu teria tempo para enterrar esse usurpador, o mau cheiro, com certeza, estará insuportável. Levantei e fui tomar banho.

Depois de limpo e cheiroso abri meu estojo, olhei o meu violino e imediatamente desviei o olhar para o estojo de Sebastian, pensei um pouco e então resolvi pegar o violino dele e tocar um pouco. Fui até o guarda-roupa, abri a porta e descobri a cabeça do jovem que outrora tinha suas habilidades tidas como "incríveis". Voltei e peguei o violino dele, coloquei sua espaleira e comecei a tocar. "Ouça, Sebastian, como toco bem seu violino." - Falei olhando dentro daqueles olhos, que agora, eram vagos e sem vida. Toquei "Memory" de Andrew Lloyd Webber, Betty Buckley e The Cats, com o instrumento dele e depois utilizei o meu para ensaiar para o concerto. Toquei por três horas e depois decidi que era o suficiente, eu tinha alcançado a perfeição. Guardei meu instrumento, coloquei meu pijama, encaixei minha cabeça no buraco da minha cama e, finalmente, descansei.


"Memory" de Andrew Lloyd Webber, Betty Buckley e The Cats.

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