Capítulo 2

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Considerando que os membros de um corpo equivale a 10%, agora restam 90% para chegar em um total de zero, e assim finalmente fazer a distribuição. Decidi separar as partes em sacos de lixo e enterra-las em pontos diferentes da cidade, isso dificultaria possíveis buscas, além disso serve para que eu possa pensar em algo melhor na próxima vez. Próxima vez - pensou meu subconsciente - não terá uma próxima vez. Nunca mais. Dei tapas no rosto, passei as mãos no cabelo, respirei fundo novamente e assumi o posto atrás da serra. Iron Maiden cantava "The Trooper", quando a liguei e prossegui de onde parei. Menos 10%, o braço esquerdo caiu. Antes de prosseguir lembrei das aulas de anatomia, nós tivemos que dissecar um sapo, todavia, eu, diferentemente dos meus colegas, não fiquei com nojo do pobre sapo esparramado na bandeja, observei todos os detalhes internos do animal e era fascinante. Agora, diante de um cadáver humano, mesmo me sentindo enjoado, surgiu uma curiosidade incontrolável de observar a parte interna do Alex. Será que ele se incomodaria e viria do além reclamar? Bom, não importa, estava decidido. Eu abriria o corpo. Bisturi - diziam os médicos de Greys Anatomy. Eu por outro lado digo, faca. Primeiro amolei ela com o esmeril que estava na bancada, verifiquei os pontos de corte e demarquei-os. Fiz uma incisão perfeita que partiu do peito até a cintura. Coloquei a mão dentro e senti os órgãos na região do abdômen, resolvi que seria melhor arrancar toda a pele de uma vez e uma parte da carne para ter uma visão geral dos órgãos. Quando retirei tudo, vi os órgãos em perfeita ordem, que visão de outro mundo, diria meu pai e eu teria que concordar. Peguei o fígado do patife, coloquei na altura dos olhos e encarei-o profundamente. Alex era um cretino, mas por dentro era lindo. Será que havia um coração naquele peito? Ou minhas suspeitas de ser uma pedra eram reais?. Preciso verificar - pensei. Tomei a faca e fiz outra incisão, e lá estava, o maldito coração. Um órgão fascinante e um de meus preferidos.

Ao olhar para o coração e de canto de olho ter a visão do pouco do rosto cadáver, fui tomado por um excesso de raiva, enfiei a faca no coração, já sem batimentos. Desgraçado! - berrei. O que fiz foi por você, Blenda, ele nunca mais irá aparecer no seu caminho, agora estará segura. Alguns minutos se passaram, eu me recompus e prossegui com o trabalho. Analisei os intestinos, os rins, os pulmões; cheguei a incluir o pênis também, para então arrancá-lo fora. Irá para o inferno sem o pinto, meu caro. - falei enquanto segurava a genitália na mão e o olhava com cara de deboche. Em seguida liguei a serra e cortei o corpo ao meio, quando fiz o corte espirrou sangue pra todo lado, antes em meu rosto havia apenas respingos, os quais me lembravam da época em que peguei catapora, agora parece que enfiei a cabeça em um balde de sangue. Continuei focado em terminar aquilo o mais rápido possível, a empolgação foi tamanha que cheguei a dar um berro quando vi que só restava separar a cabeça do pescoço. A banda Guns N' Roses cantavam "Sweet Child O' Mine", quando finalmente ela caiu entre meus pés, senti um alívio, levei quase três horas para fazer o desmembramento.

Abaixei a música para o volume 30 e fui a cozinha buscar os sacos de lixo e tomar uma água, todo esse trabalho me fez suar muito, precisava me hidratar. Quando retornei para a garagem, os Ramones assumiram o palco do meu show de horrores com "Pet Sematary", enquanto abria os sacos e fazia a divisão, a música me fez ter uma nova ideia. Levantei segurando o saco e pensei em todas as possibilidades, os prós e contras. Mas para tal eu precisava de mais tempo, resolvi ensacar tudo e guardar no armário do meu quarto por esta noite. Amanhã eu iria planejar todos os passos da execução. Antes de fechar o último saco peguei um dos braços e liguei novamente a serra, separei uma das mãos coloquei-a em cima da bancada e fechei o saco definitivamente.

Depois de levar todos os sacos para o andar de cima, foi a vez da limpeza. Nessa parte eu não poderia cometer nenhum erro, na verdade, em nenhuma parte, contudo, essa era uma das mais importantes. Apanhei todos os materiais de limpeza que tinham em casa. Levei uma hora e meia, mas fiquei satisfeito com o trabalho que prestei. Para finalizar completamente peguei a mão do Alex e, embalei, em um saco plástico e coloquei no freezer junto com outras carnes. Eu precisava de um bom banho, então fui para o quarto novamente. Comecei a me despir e ao olhar para o armário senti um desconforto, era como se ele estivesse me olhando pelas frestas das portas, decidi tirar a roupa no banheiro.

O banho foi revigorante, desci e peguei uma garrafa de Uísque e liguei a TV no canal 7, no qual estava apresentando um documentário sobre animais marinhos. Adormeci por uns minutos, e acordei assustado com um pesadelo nele o Alex aparecia todo remendado caminhando com uma faca na mão e tentava me atingir. Não consegui dormir mais. Resolvi ver todos os programas que estavam disponíveis aquela noite na TV, quando um acabava eu trocava para o próximo da lista, no último estava passando um filme e quando coloquei no canal foi bem na hora que um cara esfaqueava o outro. Meu berro foi inevitável. Olhei para o relógio eram 6h, desisti dos programas e optei por banhar novamente. Estava embaixo do chuveiro quando ouvi meu pai:

- Adam? Cheguei moleque, pense numa noitada de outro mundo. - ele sorriu entre uma tosse e outra.

Claramente ainda estava bêbado e chapado de craque, cocaína, metanfetamina, ou, sei lá mais o quê. Quando terminei o banho desci para olhar em que condições meu pai se encontrava. Ele estava largado no sofá dormindo de boca aberta, a baba escorreu e molhou a almofada, a calça estava molhada também e pedi aos céus pra não ser o que eu pensei quando vi. Liguei a TV e agora estava passando o noticiário matinal, mostrou algumas notícias da noite anterior como a destruição que as fortes chuvas causaram no sul e sudeste do país, uma esfera do tamanho de uma pessoa havia sido encontrada no Japão; alguns fantasiosos, em redes sociais, cogitaram ser o fim da humanidade, outros afirmavam que aquilo se tratava das esferas do Dragão e que faltava encontrar mais seis. Dois caras fizeram uma chacina em um bar e a motivação só mostra que o mundo deveria acabar, de fato, com o surgimento daquelas esferas. Matar por perder um jogo é simplesmente a gota d'água. Você mata pra proteger, defender, limpar o mal, e até mesmo, por amor e também prazer. E não, por não saber perder.

O relógio deu sinal, eram quase 8h, eu tinha que ir para a escola. Por precaução tranquei o quarto, mesmo achando que meu velho não levantaria tão cedo, e como um homem precavido peguei a chave reserva e coloquei junto com a outra. Estariam mais seguras comigo. O dia seria árduo, depois da aula iria visitar um lugar que gostava de ir quando criança. Sempre que eu sumia por algumas horas, minha mãe sabia onde me encontrar, acho que por isso ela não se preocupava muito, por alguma razão eu me sentia bem em cemitérios. Eu corria ele inteiro, deitava na grama, tirava um cochilo embaixo de uma árvore alta e velha que ficava ao lado da lápide da Sra. Rodrigues, ela era uma boa velhinha, sempre me dava balas toda vez que eu ia ao mercadinho dela. Porém, o cemitério da visita de hoje não era o da Sra. Rô, era assim que eu a chamava, o outro era mais adequado e imagino que menos burocrático. A cidade era relativamente grande, dividida em diversos bairros; uns maiores do que outros. O fato é que no cemitério, onde a grama era bem verde, os espaços eram vendidos com antecedência, caso contrário a família do morto teria que procurar no outro (considerado de pobre) e se nele não tivesse espaço, a família empalava o cadáver e colocava no quarto de quando ele era vivo, seguindo assim os passos do Norman Bates, em Psicose. Por sorte, a prefeitura havia comprado mais um terreno com a intenção de aumentar as vagas para o descanso eterno.


"The Trooper " - Iron Maiden.


"Sweet Child O' Mine" - Guns N' Roses.


"Pet Sematary " - Ramones.

Receptáculos: A primeira coleção Onde histórias criam vida. Descubra agora