Capítulo XI

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A tempestade ainda se acalmava quando chegamos à mansão e ultrapassamos o portão principal, as grades retas e pontiagudas, brilhando ao céu conforme o carro mergulhava na barreira. Aos olhos humanos, não era nada demais, mas aqueles que enxergavam através da ilusão viam a distorção atemporal vibrando como uma enorme bolha de sabão.

O aroma da chuva mesclado ao bosque entrava pela janela aberta e, em menos de um segundo, tudo começou a inundar meus sentidos.

A marca do pulso queimava ao ponto de ser incômodo e o cheiro hipnotizante de sangue vinha da mansão, assim que Louis estacionou o carro, saí em disparada e nem precisei dar dois passos para encontrar a fonte do problema. Tombando na fachada da mansão, Dorian trazia Dimitri pelos ombros, enquanto descia a escadaria de pedra a chuva fina encharcou as roupas manchadas de sangue, que não era deles e nem de Nina.

Doce e quente como no verão.

- Lyra.

Algo em mim queria estraçalhar-los, e queimar seus restos até serem ossos e cinzas. E quando ergueram os olhos e me viram parado na porta do carro, foi instantâneo. Numa fração de segundos estava lá, raiva e algo mais misturado ao soco que dei no estômago de Dorian. Me sentia surdo aos apelos de Dimitri no chão, me sentia insensível a qualquer palavra que todos dissessem.

Um.

Dois.

Três.

Quatro.

Cinco socos seguidos.

- Jovem mestre!- Louis me puxou de cima de Dorian, esparramado no chão, o rosto inchado e os dentes quebrados sujos de sangue enquanto gargalhava.

Não eram mais as mãos de Louis que seguravam meus punhos, mas o sorriso sombrio que iluminou o rosto do meu meio-irmão. De orelha a orelha.

- Continue irmão - suas mãos guiando as minhas para o seu pescoço - mate-me.

As palavras me quebraram e os olhos dele refletiam a sensação aterradora que me inundou, o pavor e a raiva esbarraram no olhar vazio que lancei ao me afastar.

- Meu irmão, não sejam loucos!- disse Dimitri, arrastando-se na direção dele.

Duas metades e uma delas se jogava num abismo e a outra segurava a corda.

- Por que?- rebati ao olhar para o céu tempestuoso, mas só ouvi o trovejar dos raios como resposta.

- Dorian- insisti - me dê um motivo.

Ele respirou fundo segurando a risada.

- Eu quebrei sua bonequinha selvagem, - a raiva se agitou no meu âmago - o beijo dela tem gosto de sal, irmão.

Fechei os olhos respirando fundo e afastei a ideia de imaginar, menti a mim mesmo, repetindo "não é nada" como um mantra, na esperança que fosse verdade.

- Não é suficiente?- Dorian riu incrédulo.

Respirei fundo duas vezes e olhei para Louis, que segurava Dimitri pelos ombros. Dimi, como os trigêmeos os chamam entre eles, não parecia bem com aquele olhar desesperado.

Por que uma parte minha queria cuidar deles? Seria mais fácil matar.

Não seria?

- Louis- então porquê nunca tive coragem?- esconda os dois na torre abandonada e espere meu sinal.

A resposta sempre foi covardia.

- Mas meu mestre!- Louis parecia atordoado.

- Você escutou, não é?- acenou afirmando - Então se apresse, não vou conseguir enrolar Magnus por muito tempo.

Rapidamente Louis mudou sua postura indecisa e me ergui do chão, a chuva havia passado e a lua se cobria com nuvens ralas. Louis tentava carregar Dorian (que resistia bravamente), quando ultrapassei a porta da frente, escutei Louis o apagar com um golpe leve na nuca.

Louis usava métodos práticos, admirava esse ponto.

O interior da mansão estava abafado e escuro, dando a falsa impressão que o teto era um abismo. A luz de uma lamparina pendia nas mãos da silhueta pequena, no alto das escadas, junto a presença intimidadora de cabelos prateados.

- A cara de vocês está horrível.- Comentei ao subir as escadas.

Nina e Kyo trocaram olhares e com uma careta me deram as costas, andando em passos apressados que quase me deixaram para trás. O silêncio e a escuridão foram quebrados pelo balançar da lamparina. De lá, prá cá. A cada dois passos que Nina dava, a luz tremulava e, a ansiedade que me corroía se alimentava de qualquer som que meus sentidos captassem.

Seguimos no corredor que parecia impregnado pelo cheiro "dela" que crescia rapidamente.

Precisava acalmar meus nervos ou teria uma reação intensa demais quando a visse, e seria desconfortável. Certeza que a Lyra faria piada da minha preocupação quando estivéssemos a sós.

A marcha de Kyo parou e Nina, antes da porta à nossa frente abrir, simplesmente apagou a luz me deixando confuso. Como ela enxergaria sem uma fonte de luz? Contudo, tudo fez sentido quando cruzei a porta. Para mim não fazia diferença ser noite ou dia, ainda enxergava, mas ao ver Lyra naquela cama, num estado tão assustador. Meu coração gelou e desejei estar cego para não ver a quantidade de ataduras em seu corpo pálido.

Desejei não ter um coração para não sentir medo toda vez que ela respirava devagar, enquanto Magnus conversava com os dois.

O conto da máscara Onde histórias criam vida. Descubra agora