O céu claro de meio-dia ofuscava as nuvens espalhadas na atmosfera, dentro da carroça a luz se infiltrava pela cobertura desgastada do teto. Não me incomodava sentir um pouco do calor do sol, o oposto dos dois que me acompanhavam na viagem que, mesmo trajados com capas de rato-de-fogo, se mantiveram distantes.Era um tanto engraçado para mim, não que importasse naquele momento.
A viagem inteira na estrada se resumia a pastos e campos amarelos de trigos, exceções de algumas árvores e rebanhos de animais.
A grande planície do vale se estendia assim, pacata e reconfortante.
- Estamos perto de Crivos! - anunciou o velho cocheiro, apressando os cavalos.
A velha carroça começou a balançar no ritmo dos cavalos que galoparam eufóricos, o suficiente para todos nós agarrarmos algo para não bater o traseiro contra as tábuas e sair voando. Já tinha ouvido falar que o velho Elke usava meios mais inteligentes que chicotes e esporas para incentivar os garanhões, mas sempre pensei que fossem exageros das criadas.
- Elke! Mais devagar, por favor.- gritou Dimitri agitando uma boina surrada nas mãos.
Com um grito, naquela língua estranha pela qual falava com os cavalos, a velocidade diminuiu e ele se virou para trás e sorriu amarelo se desculpando.
- Oh! Excedi-me jovem Dimi.- disse firmando a boina na careca enrugada.
- Que nada, sei que sente saudades de correr! - As orelhas pontudas de Elke se agitaram ruborizadas e um sorriso maroto surgia no rosto redondo de Dimitri.
Não sabia ao certo quanto tempo ele trabalhava para a família Vespertine, mas ao julgar pela forma descontraída que os irmãos interagiam, devia estar desde o nascimento deles.
- Não, não, assim ficou envergonhado "canarinho"!- gargalhou agitando as orelhas.
Naquele momento a brisa havia desarranjado o capuz do vampiro que não se apressou em arrumar. Apenas voltou para o lado do irmão que permanecia quieto.
- Me sinto um garotinho sempre que me chama assim.- confessou envergonhado, a brisa acariciava a bagunçava de suas mechas lilases.
O velho disse algo na língua estranha e o vampiro concordou num sorriso melancólico ao segurar a mão do irmão, tão distante que desconfiava que não sentia a preocupação do gêmeo.
Adiante na estrada os casebres cresciam e a estrada de barro batido ficava para trás, enquanto adentramos as ruínas de um velho vilarejo caindo aos pedaços. Algumas casas não tinham telhados e outras as paredes haviam desmoronado, poucas permaneciam intactas ao abandono, apesar das paredes lisas de pedra estivessem cobertas com musgos e infiltrações.
Toda essa paisagem esquecida circundava as muralhas coloridas de tons outonais, que protegia a cidade dentro de seus muros robustos.
-Se preparem garotos - o velho olhou para os dois com evidente preocupação nas faces cansadas- a partir daqui e com vocês.
Os dois acenaram apertando as mãos um no outro, e os olhos afiados do cocheiro se voltaram para mim.
-Também conto com você, rapaz.
A mensagem nas orbes carameladas era clara: "cuide dos meus meninos".
-Eles vão voltar, prometo pelo meu mestre.-respondi batendo o punho contra o coração.
O peso das minhas palavras saíram firmes, mesmo sem saber se teria tal ousadia, não parecia certo deixar o velho Elke com algo tão raso e simples. Precisava retribuir a intensidade, até porque também entendia seu apego.
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O conto da máscara
FantasíaApós uma de experiência de quase morte, uma ladra passa a conviver com a família do vampiro que a acolheu em troca de sangue. Sem saber que os irmãos são os herdeiros do trono das Crianças da Noite, ela se envolve na trama de sangue e trapaças da su...