Alarido XV

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Apenas os que conhecem Deus podem amar assiduamente. Até mesmo a mais vasta criatura, se conhecer a Deus, saberá amar.

Os olhos pequenos e inchadinhos foram abertos cautelosamente. Sentia a luz bater contra eles e a brisa suave e calorosa da manhã invadir todo o ambiente, dando-lhe uma sensação agradável. Mexeu-se, preguiçosamente, pelos lençóis macios de sua cama enquanto bocejava. Um sorriso méleo invadiu sua face angelical ao fitar Lúcifer que estava sentada sobre a cadeira preta, próxima às prateleiras. Permitiu-se gargalhar baixinho com a cena peculiar que presenciava.

Simone parecia confortável sobre o assento giratório, seus ombros estavam relaxados e sua expressão concentrada não escondia a dificuldade que passava: ela brincava com o cubo mágico. A Diaba mexia o brinquedo de um lado para o outro, tentando, a todo custo, ordenar as cores da maneira correta, porém não conseguia, e aquilo a deixava furiosa.

Soraya fitava-a atentamente, prendendo o desejo de rir, com a coberta nos lábios. Achava deveras engraçado uma mulher tão séria como Tebet com aquele objeto em mãos. O mais hilário para a loirinha era que Simone sabia fazer qualquer coisa, menos manipular um cubo colorido.

Lúcifer fechou os olhos, inspirou profundamente e expirou, com o intuito de manter o controle, buscando a pouca paciência dentro de si. No entanto, não a encontrou e, com brutalidade, atirou o cubo contra o tapume. O objeto bateu com tanta violência que se criou um buraco na parede, causando um estrondo altíssimo. Thronicke quase morreu do coração.

— Simone! — repreendeu-a assustada, apoiando a mão sobre o peito. Tebet virou-se rapidamente, olhando-a de forma desconfortável enquanto voltava a tocar a nuca, coçando-a.

— Eu posso pagar para consertar — proferiu constrangida. — Tem café da manhã. — Desviou o assunto enquanto fitava Soraya que se mantinha paralisada. Lúcifer nunca gostou de perder o controle tão facilmente, mesmo que isso fosse bastante frequente.

— Quer me matar do coração? Meu Deus! — Suspirou. — Você é muito forte, caramba... — Simone costumava fazer coisas estranhamente incríveis demais para um ser humano comum, e isso deixava Soraya bastante assustada e intrigada.

A loira assentiu de modo desconfiado e sentou-se sobre a cama bagunçada. Seus fios dourados estavam totalmente emaranhados, as bochechas rosadas e as pequenas sardas clarinhas atraíam a total atenção da Tinhosa. Thronicke era definitivamente linda.

— Por que está me olhando assim? — inquiriu timidamente enquanto ajustava suas madeixas. Sempre se sentia envergonhada pelo olhar de admiração, o qual esbanjava uma tamanha devoção que jamais poderia ser explicada.

— Você é linda. — A expressão de Simone mudava a todo momento. Bastava estar perto da garota que sua vulnerabilidade mostrava vida e força.

As bochechas cheias sorriram, junto com os olhos e os lábios lisos e róseos: um rir sútil e angelical.

— Obrigada — a voz foi tão baixa e serena que podia ser considerada melodiosa.

Ainda preguiçosa, esticou-se, puxando a bandeja para o seu colo, apoiando-a. Nela, existiam frutas vermelhas e uma jarra de suco de laranja.

— Você comprou isso? — proferiu, um pouco mais sorridente, esquecendo, brevemente, o buraco em sua parede.

— Não. Sua mãe trouxe — respondeu-lhe, gesticulando com a cabeça enquanto girava a cadeira.

A feição de Thronicke ganhou uma cor pálida. Estava confusa, nunca pôde trazer ninguém em sua casa, nem mesmo quando criança... E, agora, poderia trazer uma mulher para o seu quarto, dormir com ela, e sua mãe não reclamaria?

No Limiar do InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora