Limbo XVII

3.2K 208 228
                                    

O Diabo apenas quer realizar o desejo dele. Ele foi homicida, desde o princípio, e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira.

João 8:44

A noite envolvia tudo com extrema serenidade, o céu salpicado de estrelas cintilantes. Uma brisa suave soprava, trazendo consigo um frescor reconfortante. O silêncio predominante era interrompido pela melodia do vento, ecoando pela vastidão da noite, formando um show de harmonia. No entanto, tudo aquilo não tinha importância alguma para Lúcifer.

Tebet repousava de modo desajeitado sobre o chão, as pernas encontravam-se abertas; seu olhar tornava-se perdido, diante da imensidão azul. A brisa alcançava seus fios, podendo senti-la acariciando-a, como um conforto divino. A podre Demônia não parecia bem, sua mente se assemelhava a um furacão, encontrava-se devastada.

Passou a palma pelas madeixas escuras, colocando-as para trás enquanto não continha seus suspiros pesados e insatisfeitos. Agarrou a garrafa que estava ao seu lado, e levou-a até os seus lábios, bebericando o líquido amargo.

Culpava-se imensamente, pensava em todos os e se, no que poderia ter feito ou evitado. E se não tivesse brincado com a moeda, dando-a à Abigail, ainda poderia tê-la como uma garantia, todavia o seu ego foi o que a matou. No geral, a confiança excessiva nos cega, deixando-nos à mercê da sorte ou de Deus.

Horas haviam passado, desde que Simone chegou ao topo da colina. Ela conhecia vagarosamente o lugar e por isso mantinha a certeza de que estaria sozinha. Almejava abonar suas ideias em ordem, pensar, fazer as escolhas corretas, não que ainda houvesse muitas escolhas. A paisagem se estendia diante dela, revelando toda a cidade de São Paulo, com seus arranha-céus iluminados e ruas movimentadas. Era um cenário imponente que a envolvia, proporcionando uma sensação de tranquilidade e isolamento.

Catarina foi esperta demais ou a Senhora do Inferno tornou-se uma boba patética. O anjo demoníaco soube utilizar Soraya e seus poderes para distraí-la, enganá-la e comovê-la; o que funcionou imensamente bem. Tebet já não podia negar que construíra uma paixão, um afeto por Soraya, algo intenso demais para ser explicado pela Diaba. Thronicke, no fim das contas, era o seu invulgar ponto fraco, a única que a faria ficar ou ir embora. Suas vestes ensanguentadas evidenciavam o quão fraca a Tinhosa estava

— Mas que porra! — esbravejou alto, batendo em sua própria face. Praguejou-se milhões de vezes.

Vir à Terra, talvez, tenha sido um erro gigantesco, pois sua sede de ficar consumia-a até o último resquício de si. Era um desejo tão violento que poderia queimar e tremer de genuíno ódio.

Assim como a brisa, a Tinhosa pairava e navegava nas ondas da loira: no cheiro, na voz, no beijo, na forma como gritou e como a deixou. Não existia um infindo arrependimento, tudo o que falou a Thronicke foi sincero e não voltaria atrás. Porém, poderia ter sido mais paciente, compreensiva, pois não gostava de causar-lhe maus sentimentos.

Levantou-se vagarosamente, apoiando a mão sobre a terra, erguendo-se e limpando-a em seguida.

— Inferno! — maldisse, quase em um grito,  sentindo todo o seu corpo menos denso. Agarrou a garrafa de bebida, erguendo-a, novamente, aos seus lábios grossos e pálidos pelo forte frio, e bebeu tudo que restava.

Já não sentia o queimor que tanto adorava. Assim que terminou, lançou a botelha com extrema violência, vendo-a perder-se no meio da escuridão. Estava insaciavelmente furiosa.

— Que droga! — gritou, ouvindo o ecoar. — Além de tudo, estou poluindo o meio ambiente. — proferiu com desprezo, em um monólogo.

No íntimo, não queria compreender o porquê de tanta angústia; sentia-se na lama, mas não deveria. Ela era o Diabo, Lúcifer, a Tinhosa, e nada, jamais, mudaria isso.

No Limiar do InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora