Balbúrdia XIX

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AVISO: Este capítulo contém temas sensíveis que podem ser gatilhos para algumas pessoas. Se você é sensível ou possui traumas, é aconselhável evitar a leitura deste capítulo. É importante ressaltar que esta história é uma obra de ficção e não possui nenhuma conexão com a realidade. Nenhuma das figuras públicas mencionadas neste capítulo é retratada com a intenção de ofender sua imagem. Elas são apenas utilizadas para se encaixar neste universo alternativo. Esteja ciente disso e desejo uma boa leitura.

⊳⊰ ⸸ ⊱⊲

Se todos os absolutos problemas existentes na pequena bola torta denominada terra realmente fossem causados pela maldade perpétua da Senhora do Inferno, naquele instante, a paz peremptória reinaria entre os quatro cantos.

O corpo escultural encontrava-se coberto por um tecido negro, as vestes sem marca especificada eram de uma qualidade inquestionável, dando-lhe um ar obscuro, mefistofélico. Simone estava sentada sobre o seu enorme trono preto cintilante que se encontrava dentro do gigantesco castelo. As asas de grande porte eram alvas como a neve, reluziam sua brancura imensurável e brilho capazes de cegar olhos humanos.

Por toda redondeza, podia-se ouvir os gritos inflamados e agonizantes, implorando socorro e clamando lamentações, reverências masoquistas, gritos em sacrifícios, uma mesclagem de dor e alívio. Em torno do Cão, havia anjos com asas quadradas arrastando-se pelas paredes geladas e pelo chão tórrido; em seus pescoços, existiam pesadas correntes que os ligavam ao trono da Diaba. Seus corpos estavam nus e altamente luzidios, não tinham sombras de machucados, somente asas cortadas pela raiz.

Abigail mantinha-se vidrada na cena que, por tempos, não era comum. No fundo, sentia-se feliz por estar no Fogaréu, porém parecia se esquecer de seu tão sonhado desejo e da imensa alegria, todas as vezes que olhava para a maldita face da Demônia. Ela estava verdadeiramente desgastada por seus próprios pensamentos e visões. Soando como um enorme pleonasmo, o Inferno abusava de toda a sua figura de linguagem, e tornou-se deslumbrantemente infernal.

Lúcifer sequer se movia, estava inerte, como se fosse incapaz de ouvir ou ver quaisquer outras coisas. Encontrava-se naquele estado desde o seu retorno, fechou-se para o Martírio e ligou-se inteiramente ao mundo. Ela estava lá, mesmo que não fosse fisicamente.

Tebet mais parecia um anjo divino naquela pose, tão inabalável, senão fosse por seus olhos que, agora, estavam completamente negros, não sobrando nenhum resquício de branco; mantinham-se pretos, sem fundo, sem alma, sem vida.

A única coisa que a Diaba havia feito, durante aqueles tortuosos dias, fora observar Soraya, todas as suas ações e sonhos, por vinte e quatro horas, como se nada fosse tão importante quanto a sua casta loirinha.

Por algumas vezes, sentia uma pontada na boca do estômago tão brutal que a desligava da Terra e volvia-a ao Inferno, lembrando-lhe onde era o seu legítimo lugar. Seu sangue fervia quando não sentia ou via a presença de Catarina, que sequer deu as caras no Averno; fugiu com a sua moeda pentecostal, com a sua pedra do poder e totem, para escapar do Brumo, deixando Lúcifer presa e em condição de ódio.

Trinta e seis dias: foi o tempo exato que Soraya passou sem a Diaba. Quem olhasse a sua faceta tristonha, exaurida, com olheiras fortes e escuras, sua estrutura evidentemente mais magra, lábios ressequidos e olhar pesarosamente angustiado, diria que ela estava com demônios consumindo o seu corpo e vitalidade, contudo não, aquilo somente era a falta de um único.

Por mais que fosse pouco tempo, quando comparado a grandes partidas com voltas, não foi o que Simone prometeu. Ela esperava que Tebet passasse três ou quatro dias fora, quem sabe uma semana, porém não mais do que isso.

No Limiar do InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora