Caliagem X

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Jamais desafie a capacidade escrupulosa de Deus ou do Diabo, pois há uma linha tênue e, para ambos, todo e qualquer castigo ainda é pouco.

O carro, um tanto antigo, andava com velocidade, deixando Karen e Soraya ainda mais aflitas. Hector mantinha uma expressão não muito agradável, dava para sentir o mal-estar sobrevoando o ambiente em um silêncio angustiante.

O veículo parou, subindo na calçada até o início da garagem que estava fechada. O reverendo retirou-se do automóvel e fechou a porta de modo violento, causando um estrondo.

Thronicke, definitivamente, estava com medo, assustada, e seu único desejo era evaporar do lugar em que se encontrava. A ânsia de choro causava-lhe um nó na garganta que roubava seu ar. Por impulso, correu para dentro de casa, mas foi segurada com ímpeto. O senhor Thronicke lhe lançava um olhar amedrontador, já conhecido, que lhe causava uma sensação horrenda.

Karen observava tudo em silêncio. Estava hesitante, porém não poderia fazer nada contra seu marido. Por isso, apenas se mantinha perto de Soraya com a intenção de transmitir alguma proteção.

Adentraram a residência, bem distinta para todos.

A loira ainda era segurada com força: o pastor agarrava seu braço com um aperto absurdo. Certamente, ficaria uma marca terrível na pele sensível. Hector continuou os passos, pondo-se a subir as escadas, arrastando Soraya com brutalidade. Não parecia se importar de machucá-la.

— Aonde você vai com ela? — Karen questionou em um desespero evidente. — O que vai fazer? — Ela suava e tremia, esforçando-se para segurar a mão da filha.

— Cale a droga da boca! — proferiu raivoso, alto e estressado. — A culpa disso tudo é sua. Sequer soube educar a própria filha. Não serve para nada mesmo. — Esbravejou rudemente cada palavra enquanto a fitava com uma repulsa inigualável. — Para que pôs filho no mundo?

— Ela também é sua filha, Hector. — refutou.

— Diferente de você, eu a criei com amor, carinho, disciplina e moralidade. Para, agora, ela me retribuir com desgosto e vergonha, sendo desse jeito: uma aberração?! — cuspiu as frases sobre o rosto de sua esposa. Existia ódio transbordando de seus olhos, o suor de sua pele escorria e sua respiração ficava ainda mais desregulada.

Karen sentia-se frustrada. Acreditava no seu fracasso como pessoa, como mulher, como mãe. Seus lumes estavam cheios de água. Não era apenas medo, não era por ela; era uma tristeza profunda que batia violentamente em seu peito, e nenhuma palavra ousava sair de seus lábios gélidos e pálidos.

Karen apenas queria que ele soltasse Soraya, que a deixasse em paz. Temia o que poderia ocorrer quando aquela porta se fechasse e sua presença já não fosse mais uma distração, não fosse mais um escudo, um segundo receptor de ódio. Não importava como ela era: Soraya era sua filha e amava-a infinitamente.

— Deixe-a subir, por favor, querido. Permita que ela repense seus atos, por favor — implorava com a voz falha. Sua intenção era passar uma submissão retórica, uma calmaria não existente em si mesma, enquanto se aproximava devagar. Contudo, foi surpreendida por um empurrão brusco de seu marido que a levou instantaneamente ao chão. O impacto foi tão forte que causou uma breve tontura.

— MAMÃE! — Thronicke gritou, chorando ainda mais alto.

A loira debatia-se, na tentativa de se soltar, em vão, enquanto o pastor continuava a subir os degraus da escadaria velha. Ambos passaram pelo portal do quarto de Soraya. Entrar naquele quarto sempre foi seu refúgio, mas, desta vez, não.

Thronicke sentiu seu corpo ser lançado brutalmente contra o chão gelado; a porta foi trancada, ecoando um estrondo agressivo.

— Por que você faz isso, Soraya ? — Questionou com a voz baixa e olhos molhados. Encarava a garota profundamente, mantendo sua face abaixada, próxima a ela.

No Limiar do InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora