Tudo aquilo que eu nunca disse (Aladarius)

Inconsistências

Era fim de noite. Emira e os outros já haviam ido embora após um longo dia de trabalho para dar à jovens bruxos a selvageria de sua magia novamente.

Alador havia notado algumas inconsistências ao longo do processo e resolveu passar a noite tentando aperfeiçoar a invenção que acabara de tornar funcional. A meia luz iluminava o ambiente e trazia um ar reconfortante, mesmo com as dezenas de peças e fios espalhados pelo espaço. Alador segurava uma pinça e vestia luvas para manusear melhor as peças, afinal de contas, aquele era um trabalho bastante sutil que exigiria um pouco de concentração e silêncio; algo que o Blight poderia fazer perfeitamente bem sozinho.

... O que Alador não esperava era que fosse ter companhia durante o processo, mas, aparentemente, Darius não tinha nada melhor para fazer e resolveu passar a noite lá também com nada para fazer além de falar e fiscalizar seu trabalho.

- Se você cortar esse fio fora, não vai ter como remendar depois. - o Deammone pontuou.

- Eu devia era cortar a sua língua fora, isso sim. - o Blight respondeu, ainda sem tirar os olhos da máquina. Darius colou uma expressão indignada no rosto, mas Alador sequer pareceu reparar.

- Eu estou tentando te ajudar e é assim que você me agradece?! - ele provocou, mais com um teor dramático do que propriamente ofendido.

- Acho que agora seria um excelente momento 'pra lembrar que eu não pedi a sua ajuda em momento nenhum. - o Blight pontuou. - Sem falar que, quem projetou a maior parte dessa coisa, fui eu.

- Ai como projeta... - o Deammone debochou antes de dar um gole no café que Alador estava bebendo. Já era a terceira ou quarta vez que fazia isso, então o Blight já nem mais tentava se opor, estavam praticamente dividindo a caneca àquela altura.

Durante um breve momento de silêncio, Darius deu uma olhada na estampa da caneca, que dizia "melhor ̶m̶ã̶e PAI do mundo", tendo a palavra "pai" visivelmente sido adicionada por cima da estampa original com algum tipo de caneta permanente ou tinta. O que estava de pé segurou um riso em seus lábios.

- Foi a Amity quem fez isso? - ele perguntou se referindo à caneca. Alador tirou os olhos da máquina pela primeira vez para ver do que se tratava, colocando um pequeno sorriso no rosto ao se lembrar da história.

- Na verdade foram Edric e Emira. - ele corrigiu. - Eles eram pequenos e o dia dos pais chegou mais cedo do que eles imaginavam, então eles não acharam nenhuma caneca escrito "pai". Aí eles improvisaram, como você pode ver...

Darius riu sozinho por um instante antes de colocar a caneca novamente sobre a bancada onde Alador trabalhava.

- Quem diria que o Blight que mal conseguia cuidar de si mesmo acabou virando pai de três crianças... - ele pensou alto, apesar de saber que as "crianças" já não eram mais crianças há bastante tempo.

- É... Se tivessem me dito isso quando eu tinha quinze anos, eu nem ia acreditar. - ele voltou os olhos à máquina em manutenção.

- Eu sempre disse que você levava jeito.

- Perdão?? - Alador levantou o rosto e olhou para o Deammone como se tivesse acabado de ouvir a maior calúnia que já adentrara seus ouvidos. - Não foi você quem disse que meus filhos iam ficar sem pai depois que as abominações que eu projetava se rebelassem e decidissem me matar?!

- Ah, mas isso foi há muito tempo... - o mais alto se fez de inocente. - Você é bem diferente de quando a gente se conheceu na Hexside... Na verdade, nós dois ficamos muito diferentes, eu acho... Hey, cuidado com essa peça!! Eu não tenho como fazer uma nova! - ele levantou a voz e voltou a supervisionar o trabalho alheio.

- Deixa eu trabalhar em paz!! - Alador revirou os olhos. - E sim, acho que ficamos mesmo meio diferentes... - ele pensou alto, voltando aos consertos. - Eu ainda lembro mais ou menos do meu primeiro dia na Hexside...

- Lembra de mim?? Eu 'tava bonito nesse dia? - o Deammone provocou.

- Ah, se enxerga, Darius!! - o Blight revirou os olhos, fazendo com que o mais alto desse uma boa risada da reação alheia.

- Brincadeira... - ele disse antes de deixar um pequeno silêncio se instaurar no ambiente. - Eu me lembro um pouquinho do seu primeiro dia, também...

[continua...]