▻one; Exscape

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— Vá para o inferno!—    Gritei, batendo a porta da casa atrás de mim com força e por vontade própria

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— Vá para o inferno!—

Gritei, batendo a porta da casa atrás de mim com força e por vontade própria.

Eu gostaria de mudar muitas coisas em minha vida, mas de todas, três se destacavam.
A primeira delas era a morte precoce da minha mãe; a segunda era o pai de merda que eu tinha e a terceira era a minha vida...

— Que se dane! — murmurei, pondo as mãos no bolso da jaqueta.

Suspirei o ar frio do início da noite e me afundei no banco do carro.

Eu não me lembro muito bem de como tudo começou a desmoronar, talvez fosse há doze anos, quando meus pais começaram a brigar, a afastar, a se odiar. O divórcio iria vir mais cedo ou mais tarde, e eu tive que escolher entre um dos dois.  Meu pai era de família rica e, mesmo antes do divórcio, já estava com outra mulher; então, tudo que me restou foi uma passagem só de ida para Havana, ficar com a minha mãe e sua família que se resumia em duas tias, uma irmã e um sobrinho.

Ela era boa, e tentava me manter na linha, porém ela não teve culpa da filha ser expulsa da escola por faltas, ou da polícia me trazer na porta de casa com um boletim de agressão contra um menino que me roubou na mesma escola, talvez se eu tivesse trocado aquela corrente por um pedaço de ferro, ele não teria feito aquela queixa...
E foi então que meu pai apareceu com o seu dinheiro.

Certamente meu pai não ganharia uma caneca cafona personalizada com a escrita 'Para o melhor pai do mundo' no Dia dos Pais.
Ele era um fodido que traía a minha mãe com meninas mais novas, como a sua atual esposa, Yelena, uma ruiva polonesa que entrou como secretária no seu escritório quando o casamento já estava por água abaixo. Ela era doze anos mais nova que ele e tão irrelevante quanto o mesmo.
Às vezes, eu sentia raiva da pena que ela demonstrava dessa relação de gato e rato que eu tinha com o meu progenitor.

Eu não tinha as respostas para o que aconteceu comigo, porra, eu tinha sete anos quando minha mãe descobriu o câncer terminal, eu passava as manhãs cuidando dela ao invés de ir para a escola. Ela sabia que era só uma questão de tempo até meu pai intervir na criação, e então, pouco antes dela morrer, ele me buscou pessoalmente.

"Você está sobre o meu teto, obedeça e siga como uma mulher!"
Suas palavras bagunçavam minha mente enquanto diria meu SUV classe G até a casa do meu tio.

Fodido!

Eu não tinha nada para lhe dar, não poderia herdar a empresa que ele tanto dava valor, mas eu sabia que, por ser mulher, poderia lhe servir como moeda de troca. Ele era sínico e rico, às vezes pensava que, se tivesse nascido com o outro gênero, ele seria melhor. Mas ele me dava dinheiro para compensar os estragos mentais que causava em mim.

Suspirei fundo o ar condicionado do veículo, a fim de afastar os julgamentos que fazia comigo mesma.

O porteiro liberou minha passagem assim que reconheceu o carro.

Era outubro, a faixada e quintais das casas já estavam enfeitados para a noite das Bruxas, abóboras podres e bonecos esqueléticos estavam no gramado verde e bem cuidado de quase todas as casas do condomínio. Mas também era o começo do mês em que as ruas eram perigosas e a taxa de acidentes era maior. A época em que os corredores clandestinos apareciam prontos para confusão porque sabiam que iriam achar.

Agora, ele estava de volta!

Os portões de ferro maciço se abriram, estacionei o carro em frente à casa de esquina, era a mais barulhenta e iluminada do condomínio. Pelo gramado, havia caixas de som estourando enquanto adolescentes remexiam seus corpos com copos de bebida nas mãos. Era difícil-quase impossível-caminhar por aquele tumulto frente à porta de entrada. Os corpos se roçando e o suor escorrendo.

Alguns caras grandes estavam na pista de basquete ao lado da garagem vazia. O quicar da bola era inaudível perto do estrondo que vinha da mansão.

A mistura de perfumes e drogas era quase palpável no ar. Quando entrei na casa luxuosa e espaçosa, em qualquer canto tinha algum casal ou até mesmo um trisal aos amassos, como se o público à volta fosse totalmente insignificante.
Os quadros valiosos estavam pendurados de forma torta e rabiscados, enquanto alguns ornamentos valiosos estavam espalhados pelos cantos mais inusitados ou quebrados em pedaços incontáveis. No meio de tudo aquilo, tinha uma roda de adolescentes aos gritos enquanto dois caras do clube de luta se socavam sem camisa.
Era claro que tinha alguns mais velhos e que se destacavam ali, talvez amigos que os quatro fizeram durante o alistamento.

Eu ouvi alguns múrmuros que tomavam o ambiente enquanto alguns caras com jaquetas do time de basquete local entraram no ambiente, atraindo a atenção das garotas que estavam mais ao canto perto da escada. Eram as mais interesseiras da casa e também as mais bonitas, sempre ficavam ao canto apenas esperando os peixes grandes caírem no mar.

E se os peixes grandes estavam aqui, logo os meninos também estariam aqui.

Era para isso que essa merda estava acontecendo. 

A casa do Vitéri estava cheia, o tipo de festa que só acontecia quando eles estavam na área. Era mais típico quando eles estudavam no colegial, porém, quando foram para o exterior servir à força russa, isso ficou cada vez mais escasso.

Três anos, e as festas na ausência dos quatro eram sempre um porre. Apenas bebida fraca e música, nada mais. Vez ou outra acontecia uma briga pequena, mas sempre acabava quando um menino vomitava no outro.

— Vitéri!— ouvi a voz feminina.
Lolla correu até mim com dois copos plásticos cheios de cerveja. — Achei que não viria.
Ela comentou, me passando aquele que estava mais cheio.

— Não perderia por nada, mesmo ouvindo as merdas do meu pai.
Sorri, virando o líquido até ficar pela metade do copo.

A bebida desceu rasgando minha garganta. Eu não comi nada durante o dia, parte da culpa disso era da ansiedade por vê-los e a outra metade era o vestibular que meu pai me obrigou a fazer.

— Tenho certeza de que agora seu tio pode fazê-lo mudar de ideia.
Lolla deu uma piscadela forçada, mas um sorriso real.

Coitada!

Meu pai odiava meu tio. Ele era filho da velhice dos meus avós e foi difícil aceitar que teria que dividir a herança com um bebê quando você já tinha vinte e poucos anos.
Mas Dolores era uma boa amiga. Me manteve ocupada e me deu sua amizade durante esses três anos. Parte do que me tornei hoje foi por ajuda dela, e talvez se não fosse por ela, ainda seria a moleca cubana que andava com roupas largas e ficava escondida entre as paredes da casa enquanto eles não voltavam.

— Eles estão chegando! — avisou um menino que estudava comigo, adentrando a casa às pressas. Ele parecia bêbado e eufórico, enquanto segurava uma garrafa pelo gargalo.

Imediatamente, todos ao redor ficaram ainda mais agitados. Os roncos esportivos começaram a ecoar pela rua do condomínio, anunciando a aproximação dos carros. A música da festa diminuiu, embora não o suficiente para identificar a distância exata em que os veículos estavam.

As caixas de som começaram a tocar Looks That Kill do Mötley Crüe.

Alisei meu vestido vermelho esmeralda que tocava o meio das minhas coxas e reajustando as alças finas cobertas pela jaqueta de couro. Os meus pés formigavam dentro da bota de salto fino. Meu peito subia e descia sentindo o metal do pingente de escorpião. Brinquei com as minhas unhas compridas e tingidas de vermelho, comprimindo a vontade de levá-las à boca e roê-las.

Eu não sabia por que estava nervosa, misturando-me com essas pessoas, eu já estava acostumada, mesmo sabendo que sofria alguns julgamentos silenciosos por usar o que alguns chamariam de traje provocativo. Me sentia bem, todavia, da última vez que os quatro me viram, eu usava calças largas, coturnos sujos de barro, moletons e camisas de bandas de rock surradas, nada de maquiagem e sempre mantinha o cabelo bagunçado por pura preguiça.
Ainda mais porque meu tio, seis anos mais velho, cuidava de mim a maioria do tempo. Na escola e depois na casa dos meus avós.

Eu cresci com um brutamonte que me tratava como igual.

Eu era um chaveiro, alguém que ele podia vestir com suas jaquetas grandes de time, os bonés aba-reta com o brasão da escola, e eu gostava. Adorava me sentir protegida e única com os quatro.
Mas eu tenho dezessete e não estava a fim de voltar às raízes.

Meus olhos percorreram a multidão ansiosos e facilmente diferenciaram o trio de meninos que tinha acabado de entrar na área, se destacavam pela altura, tinham o físico bruto e o olhar frio. Eles pareciam estar à procura de confusão, pois andavam com uma postura arrogante e desafiadora. Eram os militares!
Dizem que viraram um dos melhores no ramo da artilharia, porém ainda era indisciplinado.

Eles estão aqui!

Trevor Vitéri, irmão mais novo do meu pai, é o mais alto e sempre o primeiro. Esses três anos lhe deram um corte militar e músculos mais evoluídos. Mas mesmo com toda a sua marra, o sorriso gentil acariciou seu rosto quando entrou pela porta.

Suspirei, afastando um sorriso.

Yuji see-hum Petrov, o oriental que odiava brigas, mas nunca saía sem deixar o oponente com alguma fratura. Ele estava com uma ruiva vulgar ao seu lado.

Nikolai Vich Volk, o loiro que a maioria do tempo estava atrás de uma corrida ou arrumando os carros da Midnight. Suas mãos raramente estavam totalmente brancas, sempre tinham graxa entre as unhas. Ele encarava todos com desdém.

Estiquei-me na ponta dos pés e esperei por ele...

Todos esses anos e ainda tinha esperanças de que ele me olhasse como naquela noite, mesmo no meio daquela multidão, entre todas as garotas mais interessantes que estavam ali, eu queria ser aquela que fisgaria seu olhar primeiro.

Lolla, ao meu lado, farejou o ar como um animal, capturando cada aroma do ambiente.

— Sinto cheiro de problema!
Ela avisou, desprendendo o olhar para o último.

Puta merda!

Deixei um suspiro preso escapar.

Élion Von Rostov, era o líder por ser o pior dentre os outros. O herdeiro de uma das famílias mais poderosas do país. Ele tinha tudo para ser um empresário de sucesso, mas desandou e foi parar no campo militar após o ensino médio. Ele se envolveu com uma gangue de delinquentes mais velhos e causou um acidente fatal enquanto fazia um racha na cidade. Foi mandado para o campo pelo próprio pai. Agora é apenas mais um soldado russo.

Lolla bufou.
— Ainda não acredito que foram para o campo por causa dele — ela fazia questão de pontuar o quanto Élion era uma encrenca.

Observei o corredor de pessoas se afastar à medida que Trevor corria até mim.

— Já não disse para ficar longe de encrenca?
Ele abriu os braços robustos e me apertou.

Senti os pés levantarem-se do chão à medida que ele me apertava. O seu cheiro era como eu me lembrava...

— Isso se limita a você?
Indaguei sorridente.

Quando meus pés tocaram o chão, observei os meninos me encararem. Nik piscou incrédulo enquanto Yuji sorriu sacana.

— O que aconteceu com as suas roupas? Está quase pelada.
Trevor contestou tirando o moletom da bulls e jogou com força contra mim.

Recolhi a peça amarrotada e busquei com os olhos o homem que estava atrás de todos, mas ainda assim eu sentia o seu olhar sobre mim.

Era diferente. Enquanto os outros olhavam me desejando vez ou outra, ele me olhou como se eu já lhe pertencesse.

Não era bem assim, ele sempre me tratou como a sobrinha do amigo. Até a Noite das Bruxas antes do alistamento.

Tínhamos pontas soltas.

— E aí, pequena Lilith?
Sua voz rouca surgiu, inigualável.

— Cale a boca, Élion!
Mostrei a língua.

Os meninos gargalharam.
— Ela é a mesma moleca de sempre.
Yuji comentou me deixando corada.

Porra eu mudei.

Mudei minhas roupas, pintei as unhas e aprendi a andar de salto, até mesmo penteei o cabelo e fiz a porra de uma maquiagem.
Eu estava como qualquer garota que eles andavam nas festas.

— Pegue isso, cheira a suor!
Reclamei jogando o moletom de volta para Trevor.

Yuji continuava implicante.
Eu mudei, e talvez eu repetia isso para mim porque sabia que ainda continuava a mesma por dentro. Eu perdia o fio da postura rápido e então virava a mesma delinquente que andava com os brutamontes.

Virei o líquido no copo observando o trio conversar mais longe com mais alguns caras e vadias baratas. Mas Élion não estava...
Ou talvez já estivesse... Talvez estivesse no quarto com uma delas.

Uma loira com certeza!

Eu não conseguia me esquecer dele, nem das coisas que me deixavam com um sentimento estranho.

— Porra!
Murmurei amassando o copo apenas por pensar nele se afundando em outra.

— O que te deixou tão brava?
Sua voz roçou em minha nuca.

Me afastei e observei seu rosto com o sorriso sacana que só ele sabia fazer.

Os fios cacheados e castanhos caindo sobre o rosto bronzeado, tampando quase que totalmente os olhos esverdeados.
Seu hálito de menta invadiu meu nariz e pesou em minha mente. Lancei o olhar para Trevor que estava gargalhando com outras pessoas, parecia tão distraído.

— Senti saudades de você, ou coisa assim.
Suspirou próximo.

Ele era pelo menos quinze ou vinte centímetros mais alto. Tinha braços torneados e os olhos claros que se destacavam na pele morena coberta por tatuagens. Delinquente!

Ele virou o rosto para observar Trevor quando percebeu que sua provocação era inútil comparado ao medo que eu tinha de que meu tio percebesse alguma coisa.

— Ele tem razão. Você não tem senso de autopreservação!
Seu corpo se aproximou a medida que me encolhi contra aquela parede de pedras ásperas. Seus olhos percorreram o meu decote, bem como a cicatriz pequena que tinha entre os seios.

Élion sorriu. Provavelmente se lembrando da caçada de quatro anos atrás que ocasionou essa marca.

— Ele me ensinou e evitar babacas como você!
Coloquei as mãos contra seu peitoral, sentindo o quanto tinha ficado mais firme.

Ele curvou os lábios.
— Ele te disse que sou babaca?

— Não, isso eu deduzi sozinha!

Gargalhou e puxou meus pulsos, prendendo minhas mãos em cima da minha cabeça. Estava doendo.
— Você não me disse isso da última vez.
Seu nariz bagunçou meu cabelo enquanto ele suspirava pesadamente.

— Eu te odeio pra caralho!
Cuspi uma mentira.

— Não minta para si mesma. — Riu. — Nós temos uma promessa, lembra?

Meu coração palpitou.

Claro que me lembrava!

— Acho que o sol do campo que você foi treinado queimou seu bom-senso, soldado! — Mostrei os dentes. — Eu não esqueço minhas promessas, eu esperei... mas se meu tio pegar você me apertando, vai te socar pra caralho.

Ele encarou Trevor rapidamente e me soltou, mas não se deu ao trabalho de afastar seu corpo.

— Cuidado para não cometer um erro, pequena Lilith. Eu voltei e irei cumprir o que prometi antes de partir. Você é minha agora!
Ele sussurrou antes de se afastar por completo.

Garoto dos infernos.

A essa altura eu já sentia meu estômago revirar e minha cabeça pesar. Tateei as paredes do corredor até sair da casa e entrar no meu carro suspirando dificultosa.

Quando ergui o olhar vi Trevor e Élion gargalhando entre um grupo na pista de basquete. Olhando assim nada parecia ter mudado, e talvez seria diferente se eles não tivessem ido para o alistamento...
As tarde seriam sempre assim, com eles reunidos após um dia na faculdade ou a festa antes de algum feriado.

— Vamos?—Lolla argumentou batendo a porta do passageiro.

Suspirei fundo e passei por eles, vendo Trevor abanar as mãos em um gesto de despedida momentâneo, pois ele e eu sabíamos que eu viria quanto antes.

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