começando mal

98 5 0
                                    

                O castelo de Hogwarts estava mais lindo do que nunca, todo enfeitado de luzes e guirlandas natalinas. As férias de fim de ano finalmente havia chegado! Qualquer um ficaria encantado em passar o feriado nesse lugar. Menos eu. A verdade é que essa época é uma das raras ocasiões em que ficava ansiosa para voltar para casa.

                Todo ano minha família dá a famosa festa de Natal dos Laverne, onde recebemos parentes de todo país. A casa é decorada nos mínimos detalhes, nós vestimos roupas lindas e desconfortáveis, e comemos um delicioso banquete usando um talher diferente para cada prato. Papai se gaba dos troféus de quadribol do Victor, meu irmão gêmeo, e todos tentam parecer mais felizes e bem sucedidos que os outros. Menos o tio Louis que sempre acaba exagerando no Eggnog. 

                Mas, não é pela festa que eu fico ansiosa. Tem um momento específico da noite pelo qual espero o ano inteiro. Depois que o último convidado vai embora, eu e o meu irmão nos sentamos em frente à lareira, mamãe senta na poltrona e tira os sapatos apertados, papai se aproxima com um cálice de uísque de fogo na mão, e o único som naquele momento é o da lenha estalando. Viro pra trás e fito seus rostos iluminados pela chama amarela, que agora parecem irreconhecivelmente serenos. Naquele breve momento, somos apenas uma família normal.

— EU ODEIO A MINHA FAMÍLIA! — gritei, amassando o pedaço de papel que estava na minha mão e o jogando longe. Minha única colega de quarto presente no momento, Marlene McKinnon, me olhou assustada e não disse uma só palavra antes de sair correndo pela porta.

                Enquanto eu arrumava as últimas peças de roupa no meu malão, recebi uma coruja urgente da minha mãe dizendo que era melhor eu não comparecer à festa de Natal desse ano, com o pretexto de que seria uma boa oportunidade para eu estudar mais pros NOM's. Ela sabia que eu não estava indo bem em Poções graças ao fofoqueiro do professor Slughorn.

                Ela e papai já haviam planejado uma desculpa para dar aos convidados: dirão que fui chamada para uma oportunidade de intercâmbio bruxo irrecusável. Afinal, nada mais Laverne que transformar tudo em uma maneira nova de se gabar pros parentes, mesmo que isso signifique mentir. Mas eu sabia que o real motivo disso tudo foi pelo incidente do ano passado.

                Sempre tem aquele momento da festa em que um parente faz piada sobre o fato deu não ter entrado para a Corvinal, Casa que é tradição na minha família. Pegar no meu pé por ter sido selecionada pra Grifinória virou um costume de fim de ano dos Laverne. E apesar de me deixar com muita raiva, eu sempre ouvi tudo de cabeça baixa, com um sorriso amarelo no rosto, como fui ensinada a fazer. Até o ano passado. 

                 Depois passar boa parte da noite ouvindo piada sobre a Grifinória, eu pensei comigo mesma que o Godric Gryffindor acabaria com a vaca da Rowena Ravenclaw num piscar de olhos. O problema foi que eu pensei um pouco alto demais e toda família me olhou horrorizada. Para minha mãe, foi como se eu tivesse matado o Ministro da Magia. Se tem uma coisa mais importante pros Laverne do que a Corvinal, são as aparências. 

                  Temos que ser a família perfeita o tempo todo, que nunca responde os parentes mais velhos, por mais estúpidos que eles fossem. Eu juro que tento me encaixar nos moldes deles, mas às vezes eu não simplesmente consigo. 

                   Acho que o Chapéu Seletor tinha razão.

— Eles me deixaram de fora do Natal! Você acredita nisso? Eles são tão... tão...

— Zoe, nossos pais podem ser meio rígidos... – Victor me interrompeu, antes que eu pudesse achar uma palavra suficientemente horrível para o que eu sentia naquele momento. – Mas você tem que se acalmar!

— ME ACALMAR? Mas já faz um ano do incidente e eles continuam me punindo por isso! É Natal, por Merlim!

— Você nunca gostou dessas festas mesmo, Zoe.

— Eu sei, são totalmente idiotas! Mas não quer dizer que não dói ser excluída desse jeito. Primeiro, fiquei de fora da Corvinal. Agora, das festas... Parece que eu nem sou mais da família.

— Zozo, claro que você é da família. E sempre vai ser! Nossos pais são um pouco complicados, mas eles agem pensando no seu melhor.

— Ah, tá! — Reviro os olhos. Meu irmão nunca me entenderia, mas não é de propósito. Pra ele ser perfeito é tão natural quanto respirar.

                Victor tinha os cabelos castanhos levemente ondulados e os olhos verdes, assim como eu, mas era alto e atlético. Nada o tirava do sério. Sempre conseguia as melhores notas, era capitão do time de quadribol. Nem preciso dizer que as garotas faziam fila por ele e os caras da escola o admiravam. Até os professores mais carrascos gostavam dele.

— Zoe, eu sei que é difícil... – Ele não sabe, não, pensei. Victor segurava meus ombros carinhosamente com a mesma expressão tranquila de sempre. — Mas eles gostam de você, só têm um jeito diferente de demonstrar isso. Não fica triste, vai?! Se você quiser, eu fico em Hogwarts com você...

—NÃO! Valeu, mas é melhor não. Isso só pioraria as coisas. – Tirar a oportunidade dos meus pais se gabarem pelo filho troféu me colocaria de vez no limbo dos Laverne. – Também não seria justo você perder o Natal, mas eu te amo pela oferta!

— Acredita em mim, não vai ser a mesma coisa sem você, irmãzinha. – "Jura?", eu disse com os olhos brilhando. - Com quem eu vou rir do tio Louis?

— Gárgulas! Vou perder o tio Louis bêbado! — Victor jogava a cabeça pra trás e ria com seus dentes perfeitos. O tio Louis é um agregado da família, que casou com a minha tia Pearl. Ele não é um Laverne de nascença, por isso ele não está nem aí pras regras. Fato que deixa minha mãe maluca. — Promete que me escreve contando o que ele vai quebrar esse ano? Tô apostando naquelas taças de cristal horríveis que ganhamos ano passado.

— Eu aposto na porcelana chinesa. Quem perder, paga a próxima cerveja amanteigada! — Dou um abraço apertado nele e meus olhos se enchem de água. — Eu vou tentar conversar com eles, Zoe. Quem sabe não consigo convencê-los...

— Não quero que você fique encrencado por minha causa. Afinal, você é o orgulho da família! — Aperto suas bochechas até ele conseguir se desvencilhar das minhas garras. — Sério, tá tudo bem!

               No fundo não estava tudo bem, mesmo. Desfiz quase toda a minha mala enquanto assistia à torre da Grifinória se esvaziar. Lily até insistiu para que eu fosse passar o feriado com sua família, numa cidade trouxa da qual eu nunca ouvira falar. Mas eu recusei o convite. Realmente não me sentia no clima pra festividades agora e acabaria sendo uma estraga prazeres.

               Lilian Evans era minha melhor amiga desde o primeiro ano. Tinha cabelos ruivos, era inteligente e se importava de verdade com os outros. Certeza de que ela seria uma mãe incrível. Lily me fez prometer que escreveria pra ela e me deu um abraço apertado antes de ir embora.

             Com tanta coisa acontecendo logo cedo, só me lembrei de comer quando ouvi meu estômago roncar tão alto que até o Gato me olhou estranho. Vesti um suéter vermelho, calcei minhas sapatilhas e com meu rabo de cavalo perfeitamente alinhado, desci ao salão principal na esperança de que ainda haveria café da manhã.

              Nem mesmo aquele lugar repleto de guloseimas me fazia esquecer os meus problemas. Eu estava tão concentrada nos meus próprios pensamentos que quando sentei em algum lugar da mesa da Grifinória não percebi que havia mais alguém por perto.

— Cheguei ao fundo do poço! Passando as férias no castelo igual a uma fracassada! — Falei sozinha apoiando a cabeça nas mãos, quando alguém tosse perto de mim me fazendo voltar a realidade.

— Tá falando sozinha agora, Laverne?

Desventuras | Sirius BlackOnde histórias criam vida. Descubra agora