A médica e a bailarina

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P.o.v Antonella

      Entrar de meia calça rasgada na aula de balé passava batido aos olhos da exigente mestre de dança russa

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      Entrar de meia calça rasgada na aula de balé passava batido aos olhos da exigente mestre de dança russa. Mas um coque bem feito mostra o quão caprichosa ou desleixada uma bailarina é, e desleixo, definitivamente, era um defeito inaceitável no Bolshoi Brasil. Atrasos, falta de vontade e disciplina também eram inaceitáveis.

      Eu não era uma aluna de chegar com meia hora de antecedência, como a Duda fazia. Dez minutos de pré aquecimento eram mais do que o suficiente pra mim, e além disso, antes da aula, espreguiçávamos nossos músculos.

      — Buenos días, guapas — acenei sorridentemente para minhas colegas, indo a seguir para o meu canto no vestiário.

      O cantinho da Lupita, como Maria Lúcia dizia.

      Lupita era meu apelido de infância. Um diminutivo de Guadalupe – meu nome completo é Antonella Guadalupe Carrascosa. Nasci na província argentina de La Pampa — portanto, soy gaúcha¹ —  e estudei balé até os dezesseis anos no Teatro Colón, em Buenos Aires. 

      Algumas de minhas melhores amizades foram feitas naquela cidade, mas a despeito do meu gosto por ser portenha, Dolores Carrascosa, vulgo minha mãe e primeira bailarina do teatro, num belo dia comunicou que iria trabalhar no Brasil. Obviamente, tive de vir junto – não sem antes contestá-la, como todo adescente faz quando é surpreendido pelos pais.

      Nunca aprendi a falar português fluentemente, mas minha adaptação ao modo de vida dos brasileños foi tranquila. Minha mãe ingressou numa companhia de dança de Joinville sem muita expressividade. Demorei a entender que ela estava de saco cheio das pressões que sofria no Teatro Colón e que ela precisava respirar num ambiente novo. Tudo bem, era direito dela. Só que ela não levou em conta que eu tinha uma namorada e que tive de terminar com ela, o que foi um processo doloroso para nós duas.

      Por três semanas fiquei de cara amarrada, falando pouco. Mas a vida tinha que seguir. Romina arranjou outra namorada e achei melhor dar um rumo para minha vida. 

      Entrei no Bolshoi após prestar audição, e pra minha surpresa, passei a ser colega da Duda, uma bailarina negra que sempre me vencia nos festivais que disputavámos. Achei que íamos nos estranhar. Argentinos e brasileiros sempre se estranham quando disputam alguma coisa. Porém, nos tornamos amigas. Claro que de vez em quando nos provocávamos, mas nada que fizesse o tempo fechar.

      A verdade era que apesar de sentir muita falta da Argentina, eu estava gostando daqui. As mulheres brasileiras são muy guapas. E garota gostosa era o que não faltava na nossa companhia.

      Minha mãe sempre encarou com serenidade minha homossexualidade. Exigente quanto ao meu desempenho no balé, escrupulosa quanto à regras, eu esperava que ela fizesse um escândalo quando me assumi como lésbica e que namorei Romina em segredo.

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