Sonho e Pesadelo - 1/5

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A felicidade inflava em seu coração e se mesclava com um orgulho inebriante, abrindo um largo e involuntário sorriso no rosto bem barbeado. O Sol reluzia em seus cabelos cor de areia, molhados pelo mar e cujo corte recente era um visual novo para o tão esperado evento no final de semana. Seus joelhos se encontravam escondidos sob a água morna enquanto o corpo sentia o abraço caloroso e bem-vindo daquele dia ensolarado de verão. Posicionava-se em frente à filha, servindo como um ponto de chegada para ela, que, com grande determinação, nadava pela primeira vez. A bela esposa de Átila os observava sorridente da praia, enquanto as pessoas ao redor deles brincavam, mergulhavam sob as ondas, tomavam sorvete, corriam pela areia, se bronzeando, jogavam tênis de praia ou bebiam cerveja, riam e escutavam música em caixas de som portáteis, divertindo-se em antecipação ao carnaval.

Quando Aline o alcançou, Átila a ergueu, girou e a abraçou com força, parabenizando-a com uma felicidade que não cabia no peito. A menina recém chegara aos seus cinco anos de vida, e não passava de um bebê de colo da última vez em que estivera na praia. Com a filha ainda suspensa no ar, ele se pegou pensando em como o tempo passava rápido quando se tinha uma criança, sem perceber o sorriso bobo e saudosista brotando nos próprios lábios. Sua pequena princesa possuía os cabelos castanhos da mãe emoldurando seu rosto de porcelana, mas os olhos azuis como chamas em uma combustão completa eram só dele. Tinha sorrisos fáceis, um espírito arteiro, mas doce e gentil, e uma curiosidade infindável. Átila a encheu de beijos pelo rosto — provocando risinhos —, desejando que ela continuasse assim para sempre: sua garotinha, a luz em sua vida, seu motivo de maior orgulho e alegria.

— Viu só, papai? Eu consegui! — falou toda contente, ainda sorrindo pelos beijos.

— Ah, eu vi sim! E acho que tu merece um picolé por essa baita conquista! — respondeu Átila de um jeito teatral, levando-a até a areia.

Aline deu um risinho sapeca ao descobrir que ganharia uma recompensa, enroscando os bracinhos ao redor de seu pescoço e escorando a testa no maxilar forte e bem escanhoado. Aproximando-se deles em um biquíni vermelho e protegendo os olhos com óculos de sol, Nicole se abraçou no marido e na filha para enchê-los de beijos e soprar a bochecha da menina, provocando risadas agudas.

— Que menina mais esforçada essa! Acho até que merece um prêmio! — disse Nicole, roçando a ponta do nariz no da filha.

— Tarde demais, mamãe! Já prometi um picolé para ela. — Riu.

Mas, em resposta, Nicole a pegou no colo, roubando-a do marido.

— Azar o teu, porque sou eu que vou comprar! — A arquiteta riu e correu agarrada na filha, que gargalhava pela agitação.

Átila viu elas se afastarem com um largo sorriso no rosto, começando a acreditar que, até o final de semana, suas bochechas caíram de tanto sorrir. A praia estava atulhada de famílias e amigos. Crianças construíam castelos de areia, jogavam bola, corriam umas atrás das outras, caçavam conchas e brincavam na beirada do mar, ao passo em que adultos tomavam banho de sol, comiam milho amanteigado, disputavam partidas de vôlei, futebol e frescobol, além de nadarem ou surfarem. Um menino e uma menina passaram em disparada por ele, rindo e soltando gritinhos alegres enquanto brincavam de pega-pega com um cachorro ensandecido de alegria orbitando os calcanhares. Estavam em Imbé, uma cidadezinha no litoral gaúcho com não muito mais do que vinte mil habitantes, e não havia outro lugar em que preferia estar naquele momento.

Contudo, sua mente foi bruscamente arrancada de devaneios e contemplações por um susto que lançou arrepios pela espinha. Seu telefone começou a tocar.

Com um suspiro profundo, torcendo para não ser problemas, ele andou até as coisas da família e pegou seu celular de dentro da bolsa da esposa. Enquanto o retirava do meio dos pertences, tomou consciência mais uma vez da ansiedade sedimentada no fundo do estômago por sua pistola 9 milímetros não estar ali também. Nicole havia vetado veementemente seu pedido, argumentando que não era seguro mesmo a arquiteta não tendo planos de sair de perto das coisas da família, e que se realmente precisava levá-la, que a deixasse escondida no carro. Era uma Glock preta, quase tão bonita quanto a de colecionador que estava trancada na casa de praia dos pais, e que ele também não gostava de ficar longe. Átila era um policial da Brigada Militar, e nos últimos tempos era sensato andar armado — mesmo que a real razão para isso seja sua paranoia latente devido aos acontecimentos recentes em sua vida —. Apesar de a gestão anterior ter conseguido diminuir um pouco a violência e a falta de dinheiro que forçava os servidores públicos a fazerem greves, o Rio Grande do Sul estava se enfiando mais uma vez no buraco com o novo governador, embora fizesse apenas dois meses de sua posse.

O Cavalo Pálido na Chuva - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora