Irmãos - 7/8

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Uma sequência de estampidos secos trovejou ao seu redor e feriu seus tímpanos, mas Tony estava chocado demais para perceber que chorava incontrolavelmente, que a bexiga se esvaziou devido ao pânico ou que a força o puxando para fora do SAMU havia desaparecido. Os olhos estavam presos no aglomerado de canibais se formando ao redor do corpo de Maíra, com mais deles chegando a cada segundo. A cena das mãos imundas arrancando nacos de carne sangrentos e os levando à boca para se deliciar com os restos da mulher foram impressas em sua mente a ferro e fogo, e criaram feridas que jamais cicatrizariam por completo.

Um estalo metálico o pegou de sobressalto quando um pedaço de cabo de vassoura atingiu a lataria da ambulância logo à sua frente.

— Tá me ouvindo, porra? Vem logo! — ordenou Forte, estendendo a mão para ele. — Ou tu tá querendo ser o próximo?

Arrancado de seu torpor, Antônio percebeu que o motoqueiro usava a pistola para limpar os infectados mais próximos da fresta, dando-lhe tempo, e que todos os outros já estavam em cima do ônibus.

— Pega minha mão "duma" vez!

Antônio se levantou com dificuldade, escorregando no capô devido ao quão encharcado de sangue, mijo e vômito a superfície se encontrava, e agarrou a mão de Forte, saltando instantes antes de outro punho ossudo se fechar onde seu tornozelo estava.

Sobre o veículo tombado, porém, as coisas não estavam tão melhores.

Do interior da rodoviária, os canibais se escoravam contra a parte de baixo do ônibus como formigas ao redor de chocolate. O fogo que Maíra havia iniciado agora soltava uma fumaça escura e densa, dificultando a respiração e os obrigando a tapar o nariz com as próprias roupas. Porém, não podiam saltar para a rua, pois havia mais daqueles desgraçados se espremendo contra o teto do automóvel caído, de modo que pular seria uma sentença de morte.

— Não podemos mais ficar aqui! — gritou Kley entre as tosses.

— Bah! Não brinca? — reagiu o motoqueiro, irritado, jogando a pistola sem munição no meio da multidão. — Fala algo que eu não sei, ô seu animal!

— Vai te foder, padrinho!

O velho riu.

— Então se joga, ô merda! Tu quer arriscar pular e acabar virando marmita de canibal? Fica à vontade!

— Bom, se pularmos, pelo menos teremos uma chance de escapar! — argumentou Forte.

Axl se intrometeu:

— Não com essa porra desse milico nos atrasando!

— Bah! Finalmente alguém com um pouco de miolo na cachola! — concordou o velho.

— Tá, mas se ficarmos aqui, corremos o risco de o monóxido de carbono nos matar por asfixia! Isso se o ar quente não queimar nossos pulmões antes! — interviu o enfermeiro.

— Qual é a porra do teu plano, então? — enfureceu-se o motoqueiro. — Se aquela puta não tivesse ateado fogo em tudo, a gente pelo menos tinha um tempo pra pensar em algo!

Dessa vez, porém, Axl discordou dele:

— A ideia dela foi boa! O fogo não é tão rápido e eficiente quanto uma bala ou um machado, mas da conta do recado. Sem isso e sem ela ter... virado comida... eles já estariam aqui em cima nos despedaçando. Tu pode até achar que não, mas a guria conseguiu, sim, nos comprar algum tempo!

Kley abandonou a discussão para amparar Alana, que se ajoelhou aos prantos, devastada com tudo aquilo. Tony não podia culpá-la. Ele mesmo parecia quebrado e anestesiado com os horrores que testemunhou, o medo parecendo prestes a arrebentar seu peito de dentro para fora e criar vida apenas para devorá-lo logo em seguida.

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⏰ Última atualização: May 11 ⏰

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O Cavalo Pálido na Chuva - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora