Depois de acordado, não demorou muito para chegarem a um velho restaurante de esquina numa avenida que ele não reconheceu. Entraram no estacionamento e desceram do blindado. Não havia sinal do ônibus ou dos outros que atacaram o bloqueio, mas estava claro que se tratava das mesmas pessoas. Átila foi arrastado, já que mal conseguia andar devido ao tiro, até uma sala onde foi trancado. O lugar estava estranhamente vazio de móveis, com exceção de um par de cadeiras, mas era possível diferenciar as tonalidades de cor nas paredes onde prateleiras estiveram parafusadas por anos. Apesar do torniquete apertado que fazia a perna formigar, boa parte das calças agora era de um vermelho-escuro, e a coxa queimava com uma dor latejante, espalhando-se por seu corpo como ondas açoitando a areia da praia. Nicole e Aline apareceram ali momentos depois, e o policial as abraçou com força, à beira das lágrimas.
— Vocês estão bem? Eles machucaram vocês?
— Estamos bem. — Nicole encostou o rosto no do marido. — O que acontece agora?
— Vou tirar a gente daqui, de algum jeito. Vamos embora daqui.
Nicole assentiu, tão quieta quanto a filha em seu colo, e sentou em uma cadeira próxima, devido ao cansaço de segurar uma criança de cinco anos por tanto tempo. Atrás deles, o som metálico daquela porta velha sendo trancada atingiu Átila como uma marreta, fazendo-o estremecer e sentir um gosto amargo, vindo de lugar algum, invadir sua boca.
— Vou nos tirar daqui! — repetiu aos sussurros, agarrado nas duas e observando com olhos injetados o espaço confinado em que estavam. Mas a verdade é que não se sentia tão confiante de que poderia manter aquela promessa.
O homem que tinha traços indígenas apareceu ali logo em seguida, enquanto Átila ainda planejava sua fuga e tentava, sem sucesso algum, ignorar a agonia comendo sua coxa.
— Tu entende que não é pessoal, não é mesmo? Estamos travando uma rebelião, e acontece que a tua arma e o teu veículo nos seriam muito úteis. Em troca, serão examinados por um médico e receberão comida e água.
Átila soltou um riso anasalado de deboche.
— Tu me deu um tiro na perna só para tratá-lo e ganhar minha gratidão?
— Uma rebelião? — indagou Nicole, incrédula.
Mas o tal Jonas o ignorou deliberadamente, preferindo responder à mulher.
— Os militares fascistas estão matando qualquer um que esteja infectado ou que não aceite seus termos. Nós lutamos contra isso. Nem ao menos nos contam o que está acontecendo!
A mulher ajeitou a filha no colo para Aline ficar em uma posição mais confortável, então o encarou com uma expressão que Átila conhecia bem: o semblante de uma esposa que sabia que havia algo errado, mas que decidiu fazer perguntas que pareciam despretensiosas para ir comendo pelas beiradas e descobrir o que o marido estava aprontando.
— Tu não acha que é meio rápido para uma rebelião, não? Essa merda toda com os militares começou hoje!
— Viemos de Rio Grande, e isso aconteceu lá há cinco dias. Assim que os carniçais saíram da água e os mortos se levantaram, as comunicações e a energia foram cortadas, a cidade foi sitiada e o exército só piorou aquele massacre indescritível. Levou apenas três dias para a cidade cair. Não demorou muito para Pelotas ser alvo dessas mesmas coisas, mas não sei qual é a situação deles. Rio Grande tinha dez vezes mais pessoas do que Imbé, imagine o quão rápido será para isso aqui virar uma cidade fantasma. Tudo o que sabemos é que essa atitude militar vem do sul cada vez mais para o norte e para o oeste. Meu irmão foi assassinado porque não aceitou ser detido sem motivo algum. Isso tem que acabar!
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O Cavalo Pálido na Chuva - Volume 1
Horror⚠Versão Atualizada⚠ Talvez se Anne e seus amigos soubessem o que estava por vir, não teriam escolhido passar suas últimas horas jogando RPG. Agora eles são obrigados a sobreviver à brutalidade nua e crua de uma sociedade em decadência andando a pass...