I. Do Hermeticismo

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O Hermeticismo, uma tradição espiritual que se originou no Egito Antigo e se desenvolveu durante o período helenístico, teve uma grande influência no Cristianismo. Ao longo da história cristã, houve alguns indivíduos que citaram ou elogiaram os textos herméticos e o deus grego Hermes. Abaixo, listo alguns exemplos:

• São Clemente de Alexandria (150-210 d.C.), teólogo e apologeta cristão que, em sua obra clássica "Stromata", descreve sua experiência direta e pessoal das procissões dos membros da comunidade hermética, e na qual escreve que há "quarenta e dois livros de Hermes indispensavelmente necessários, dos quais os trinta e seis que contêm a totalidade da filosofia dos egípcios são conhecidos pelos personagens mencionados; e os outros seis que são de medicina, [...] tratam da estrutura do corpo, das enfermidades e instrumentos; e, o último, que trata das mulheres"; além disso, provavelmente inspirado na obra "Apologia de Justino" (100-165 d.C.), Clemente comparou o Poimandres que se revela a Hermes no livro I do Corpus Hermeticum e o Hermes-Logos ao Cristo-Logos, abrindo assim o caminho para sua recepção nos meios cristãos.

• Lactâncio (240-320 d.C.), um dos grandes apologetas cristãos da sua época e conselheiro de Constantino I (o primeiro imperador romano cristão), deu grande importância à doutrina de Hermes para a compreensão de alguns temas fundamentais da teologia cristã e, ao atribuir a Trismegisto uma dimensão profética, despertou, muitos séculos mais tarde, o vivo interesse dos teólogos da Escola de Chartres, no século XII, e dos humanistas italianos, no século XVI, pela leitura e pela tradução de obras atribuídas a Hermes.

• Eusébio de Cesareia (265-339 d.C.), Bispo de Cesaréia, em cuja obra "História Eclesiástica" reconhece em Hermes, em Platão e nos platônicos sábios precursores da doutrina cristã.

• São Cirilo de Alexandria (375-444 d.C.), Patriarca de Alexandria e do Cairo, em sua obra "Contra Juliano", defende também a posição de Clemente, Lactâncio e Eusébio de que a doutrina de Hermes prenunciava a vinda do Cristianismo.

• Quodvultdeus de Cartago (?-450 d.C.), Bispo de Cartago, amigo pessoal e correpondente de Santo Agostinho, que também defendeu em seus escritos a posição de que a doutrina de Hermes foi uma antecipação da doutrina cristã do Verbo Divino.

• Pedro Abelardo (1079-1142 d.C.), filósofo e teólogo cristão, que fez referência a Hermes e que o citou como "uma testemunha antiga, detentor de uma autoridade inquestionável" (Gentile, 2000, p. 28).

• Bernardo Silvestre (1100-1160 d.C.), filósofo neoplatônico da Escola de Chartres, cuja obra "Cosmografia" tem como sua referência maior o "Asclépio" ou "Discurso Perfeito" (disponível então em sua versão latina completa na biblioteca dessa escola). Para ele, esse texto era uma chave de interpretação que não contradizia nem Platão nem o Cristianismo.

• João de Salisbury (1115-1180 d.C.), filósofo inglês da Escola de Chartres, que cita o "Asclépio" como autoridade doutrinal em várias passagens da sua obra "Policraticus".

• Alain de Lilie (1128-1202 d.C.), teólogo da Escola de Chartes, que também cita o Asclépio como autoridade em suas obras "Summa quoniam homines" e "Contra haereticos".

• Santo Alberto Magno (1196-1280 d.C.), grande teólogo e renomado alquimista, teve o "Asclépio" ou "Discurso Perfeito de Hermes" como uma das suas obras favoritas, além de ter citado "Hermes Trismegisto pelo nome em vinte e três de suas obras" (Magee, 2008, p. 22-23) e tê-lo considerado como o exemplo máximo de um sábio, utilizando-o como intermediário para uma síntese entre a doutrina platônica e a teologia cristã.

• Teodorico de Freiburg (1250-1311 d.C.), aluno de Santo Alberto Magno, "mesclou a teoria alquímica de Alberto com o neoplatonismo de Proclo" (ibid., p. 23).

• Thomas Bradwardine (1300-1349 d.C.), Arcebispo de Canterbury, o Doctor Profundus ("Doutor Profundo"), cujas obras, segundo Gentile, teriam se valido das doutrinas herméticas.

• Marsílio Ficino (1433-1499 d.C.), filósofo neoplatônico, criador da Academia Platônica de Florença e maior nome do humanismo italiano, foi o primeiro tradutor do "Corpus Hermeticum" para o latim, e traduziu as obras completas de Platão, as "Enéadas" de Plotino, bem como obras de Jâmblico, de Porfírio, de Sinésio e de Pseudo-Dionísio Areopagita.

• Pico della Mirandola (1463-1494 d.C.), que foi o primeiro a estabelecer relações entre a Cabala Judaica, o Hermeticismo e o Platonismo (defendendo a existência de uma filosofia perene).

• Johannes Reuchlin (1455-1522 d.C.): o primeiro não judeu a escrever um estudo profundo sobre a Cabala, que desde então foi referência para todos os cristãos que se dedicaram ao estudo desse sistema; e sua defesa da "congruência entre as tradições grega, judaica e árabe tornou-se uma pedra angular para o Hermeticismo ao longo dos séculos seguintes" (ibid., p. 29)

Esses exemplos ilustram a influência do Hermeticismo no Cristianismo e como os autores cristãos elogiavam os escritos de Hermes como uma fonte de sabedoria divina. Através da incorporação de ideias herméticas na teologia cristã, os escritos de Hermes ajudaram a moldar a concepção cristã de Deus, da alma e do universo, e seu impacto pode ser visto até os dias de hoje.

Embora nem todos os autores cristãos tenham elogiado explicitamente os escritos de Hermes, aqueles que o fizeram reconheceram a importância da sabedoria hermética na compreensão da verdade divina. A presença do Hermeticismo na teologia cristã é um testemunho da riqueza e da profundidade da tradição espiritual humana e de como as ideias e ensinamentos podem se cruzar e se entrelaçar para formar uma compreensão mais ampla e profunda da verdade divina.

Hermeticismo Cristão: A Relação Oculta entre a Igreja e o OcultoOnde histórias criam vida. Descubra agora