IV. Representação

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A representação, quando tomada como a coisa em si (to onton), gera a multiplicidade de opiniões, os enganos e a novas quedas. Conforme o sujeito caminha no seu processo iniciático, que no Hermeticismo não se dá pela autoridade clubista de um mortal, mas pela graça do Nous-Poimandres, a Luz (seu Nous), cada vez mais, passa a se infiltrar pelo véu do Logos, e o sujeito torna-se capaz de, com facilidade, transcender o símbolo e a literalização mítica. Conforme é tocado por essa Luz, ele se purifica até que, por fim, adquira potência para romper com a mortalidade.

Assim nos indica o Corpus Hermeticum XIII, 3:

Τί εἴπω, ὦ τέκνον; τὸ πρᾶγμα τοῦτο οὐ διδά σκεται, οὐδὲ τῷ πλαστῷ τούτῳ στοιχείᾳ, δι’ οὗ σὺ ὁρᾷς, ἐστιν ἰδεῖν.᾿ οὐκ ἔχω λέγειν πλὴν τοῦτο· ὁρῶν τιν ἐν ἐμοὶ ἅπλαστον ἰδέαν γεγενημένην ἐξ ἐλέον θεοῦ, καὶ ἐμαυτὸν ἐξ διεξελήλυθα εἰς ἀθάνατον σῶμα· καί εἰμι νῦν οὐχ ὁ πρίν, ἀλλ᾽ ἀνεγεννήθην ἐν νῷ, τὸ πρᾶγμα τοῦτο οὐ διδάσκεται οὐδὲ τῷ πλαστῷ τούτῳ στοιχείῳ δι᾽ οὗ ἐστιν ἰδεῖν καὶ διαλέλγταί μοι τὸ πρῶτον σύνθετον εἶδος. οὐκέτι κεχρω μάτισμαι καὶ ἀφὴν ἔχω καὶ μέτρον, ἀλλότριος δὲ τούτων εἰμὶ νῦν, ὁρᾶς με ὦ τέκνον ὀφθαλμοῖς καὶ πάντων δεδ δὲ κατανοεῖς ἀτενίζων σωματικῇ δράσει. οὐκ ὀφθαλμοῖς τζοιούτοις θεωροῦμαι νῦν, ὦ τέκνο."

“Só tenho a te dizer o seguinte: uma visão inefável produziu-se em mim. Pela misericórdia de Deus, eu saí de mim mesmo e fui revestido por um corpo imortal. Não sou mais o mesmo que eu era, pois naquele momento fui gerado no Nous. Isso não pode ser ensinado e não pode ser visto pelo corpo, mediante este elemento constituído de matéria com a ajuda da qual vemos as coisas daqui de baixo. Por essa razão já não me inquieto com minha primeira forma física e composta que tive. Já não tenho cor, nem tato, nem medidas no espaço: sou estranho a tudo isso. Agora tu me vês com os olhos como algo que tem corpo e uma forma visível, mas não é com esses olhos que agora sou visto, meu filho.”

Dentro da doutrina hermética, o processo soteriológico ou de purificação, não é conquistado meramente por repetições mecânicas de cerimonias religiosas, muito menos é adquirida mediante favorecimento de algum daemon, mas deve ser construída pelo processo espiritual da Piedade (Eusebéia). A Piedade, no Hermeticismo, compreende a busca de tornar-se quem se é, tornar-se o que fomos criados para ser e não nos identificarmos pelas coisas do mundo material, que são apenas reflexos numa poça escura. Somos um ente imortal, divino, demiúrgico, filhos do Nous-Deus, responsáveis pela criação e manutenção da bela obra divina que é a natureza; e apenas na busca desta Verdade poderemos finalmente parar de cair e voltar aos céus.

Assim nos indica o Corpus Hermeticum I, 12:

"ὁ δὲ πάντων πατὴρ ὁ Νοῦς, ὢν ζωὴ καὶ φῶς, ἀπεκύησεν Ἄνθρωπον αὐτῷ ἴσον, οὗ ἠράσθη ὡς ἰδίου τόκου·περικαλλὴς γάρ, τὴν τοῦ πατρὸς εἰκόνα ἔχων· ὄντως γὰρ καὶ ὁ θεὸς ἠράσθη τῆς ἰδίας μορφῆς, παρέδωκε τὰ ἑαυτοῦ πάντα δημιουργήματα."

"No entanto, o Nous, Pai de todas as coisas , sendo Vida e Luz, engendrou um ser humano semelhante a ele mesmo e o amou como seu próprio filho, uma vez que o Ser Humano era muito belo: ele reproduzia a imagem do seu Pai, de modo que, na verdade, Deus amou sua própria forma e entregou-lhe todas as suas criaturas."

- Vinicius Pimentel Ferreira. A queda do paraíso no Hermeticismo.

Hermeticismo Cristão: A Relação Oculta entre a Igreja e o OcultoOnde histórias criam vida. Descubra agora