Hermeticismo Cristão: A Relação Oculta entre a Igreja e o Oculto

VIII. Recepção de Hermes Trismegisto no Cristianismo

Uma polêmica comum hoje em dia é atacar a Igreja Católica da Renascença por fazer uso do Corpus Hermeticum. Todos, desde os sedevacantistas radicais até os protestantes, têm usado essa polêmica para provar suas posições. Neste artigo, desejo mostrar como a Igreja antes da Renascença fez uso dos escritos atribuídos a Hermes Trismegisto, o que naturalmente levou aos desenvolvimentos posteriores do hermetismo no Ocidente.

Os patrísticos consideravam a figura mítica de Hermes Trismegisto como um sábio egípcio dos tempos antigos. Alguns dos Padres sustentavam que Hermes caía em certos erros pagãos, mais notadamente o da idolatria, mas os Padres concordavam em geral que Hermes tinha sabedoria e conhecimento naturais.

Talvez a mais antiga referência cristã ao Corpus Hermeticum esteja nas obras de São Justino Mártir:

"Pois o conhecimento dessas coisas constituirá seu treinamento preparatório necessário para o estudo das profecias dos escritores sagrados. E se alguém supõe que aprendeu a doutrina a respeito de Deus com os mais antigos daqueles que vocês chamam de filósofos, que ouça Amon e Hermes: Amon, que em seu discurso a respeito de Deus O chama de totalmente oculto; e Hermes, que diz clara e distintamente que é difícil compreender Deus, e que é impossível até mesmo para o homem que pode compreendê-Lo declará-Lo aos outros. De todos os pontos de vista, portanto, é preciso ver que não é possível aprender nada a respeito de Deus e da verdadeira religião de nenhuma outra forma a não ser com os profetas que nos ensinam por inspiração divina."

Séculos mais tarde, São Cirilo de Alexandria (o grande defensor do dogma relativo à Virgem Maria como Mãe de Deus) cita Hermes Trismegisto em seu trabalho contra Juliano, o Apóstata:

"E eu acho que o Hermes egípcio também deve ser considerado digno de menção e lembrança - ele que, segundo dizem, tem o título de três vezes maior por causa da honra que lhe foi prestada por seus contemporâneos e, como alguns pensam, em comparação com Hermes, o lendário filho de Zeus e Maia. Esse Hermes do Egito, então, embora tenha sido um iniciador dos mistérios e embora nunca tenha deixado de se apegar aos santuários dos ídolos, é [no entanto] considerado como tendo compreendido as doutrinas de Moisés, se não com total correção e além de qualquer dúvida, ainda assim em parte.

Pois o próprio Hermes foi beneficiado por Moisés, e o lembrete desse fato também foi feito em seus próprios escritos pelo editor em Atenas, que reuniu os quinze livros intitulados "Hermaïca". Esse editor escreve sobre ele, Hermes, no primeiro livro, colocando as palavras na boca de um dos sacerdotes dos ritos sagrados:

'Para que possamos chegar a coisas de natureza semelhante (? ), - não ouvistes que o nosso Hermes dividiu todo o Egito em lotes e porções, medindo os acres com a corrente, e cortou canais para fins de irrigação, e fez nomes, e deu seus nomes às terras neles compreendidas, e estabeleceu o intercâmbio de contratos, e elaborou uma lista das ascensões das estrelas, e [os momentos apropriados para cortar as plantas? E, além de tudo isso, descobriu e legou à posteridade números, cálculos, geometria, astronomia, astrologia, música e toda a gramática? '"

São Cirilo acreditava que Hermes havia compreendido as doutrinas sagradas do profeta Moisés, pelo menos em parte, o que é um grande elogio vindo de um apologista cristão durante o renascimento pagão que estava ocorrendo no Império Romano na época.

Santo Agostinho de Hipona tem uma visão semelhante (embora mais severa) de Hermes Trismegisto à de São Cirilo. Santo Agostinho condena Hermes pelo pecado da idolatria, mas, apesar disso, ele ainda reconhece as verdades naturais sobre Deus que podem ser encontradas no Corpus Hermeticum. Santo Agostinho até reconhece que Hermes tinha uma visão profética em certo sentido, embora, na visão do santo, ele fosse um "profeta" relutante, de forma semelhante ao Balaão do Pentateuco: