VII

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8 de Março de 1894

Todos sabiam que Edgar era uma pessoa importante, e que qualquer afronta a ele seria firmemente devastada, mas o que ninguém esperava era que na manhã do dia oito de março, um devedor bateria em sua porta e encontraria um corpo pálido demais, cuja vida já havia partido fazia horas, detalhe esse que a polícia preferiu ignorar no momento de declaração de prisão do devedor por flagrante.

Às vezes eu tenho sorte, mas prefiro ainda mais criar minha própria sorte, o que talvez tenha feito o devedor ouvir sobre como Edgar perdoou a dívida de um ex colega, e como sua generosidade estava sendo comentada pelas ruas da cidade.

- Realmente, uma enorme perda para nós. - Digo a um atendente enquanto bebo uma xícara de café em seu quiosque. - Digo ainda que perdi um de meus melhores colegas, éramos bem próximos.

O atendente, angustiado, voltou a palavra a mim novamente:

- Espero que o desgraçado que fez isso morra.

Acendi meu charuto novo.

- É, eu também.

Quando Ruí, o atendente agora de nome conhecido, saiu, li atentamente cada notícia que constava no jornal, recém assumido por Helena, filha bastarda de Edgar.

Admito que a menina até que tinha um dom com a escrita, talvez fosse interessante ler o que ela falaria sobre mim, o pai dela sempre foi muito exagerado, e mentiroso. Ouvir verdades ao meu respeito talvez fosse minimamente interessante, mas o que me chamou atenção foi a notícia logo abaixo da primeira página:

" Homenagem ao homem incrível e pai maravilhoso, às 17h no jardim sagrado"

Irônico homenagear um homem que escondeu a filha por 18 anos devido seus problemas psicológicos. Grande pai.

Quando abaixei meu jornal, pude ver uma silhueta feminina em minha frente, uma que eu adorava ver, a propósito. 

- A que devo a honra, novamente?

Emilè sorriu, e sentou-se na cadeira a minha frente.

- Fui rude com o senhor, sinto muito. Sei que não teve culpa do que falaram no jornal, e fico feliz que agora ele tenha sido assumido por outra pessoa.

- É, eu imaginei que ficaria feliz. - Respondi.

- Mas eu não estou dizendo que estou feliz com a morte do jornalista, é claro.

- É claro que não.

- Sinto muito, novamente. Não irei mais perturbá-lo.

Seu cabelo encaracolado caía sob seus ombros, seu vestido azul marinho marcava delicadamente suas curvas, e cada palavra proferida pela sua boca era tão confusa, dócil mas amarga, insistente e fugaz, inocente e devassa.

- Se isso significa ficar distante, prefiro que continue a perturbar.  - Disse, encarando a cicatriz em sua mão, que ela tentava desesperadamente esconder. E de vislumbre a vi corar.

- Eu não deveria ter batido em sua porta, tão pouco ameaçado te machucar.

- Não se preocupe. Espero um dia, a receber como cliente, entretanto.

Ela sorriu, antes de dizer:

- E o que tem em sua propriedade que poderia me interessar?

Eu avisei, não?

Sorri preguiçosamente, enquanto descia o olhar até sua boca, seu pescoço.

- Não prefere que eu te mostre pessoalmente? - Digo.

Devassa.

- Talvez. Mas não hoje, hoje preciso homenagear o homem que fez minha fama. - Ela disse.

- Sua péssima fama, eu diria.

Ela rebateu de imediato.

- Ao contrário, muitos homens e mulheres se sensibilizaram com minha história, acharam um absurdo eu ser usada de tal forma para que um comerciante vendesse mais.

Ri.

- E então eu sou o culpado? Não me lembro de forçá-la a dançar comigo.

Dócilmente ela encostou a mão na minha, e sussurrou:

- Eles não precisam acreditar em mim, basta não acreditarem em você, e não é como se vo.. - Ela parou de falar e deslizou um dedo em minha mão. - se o senhor tivesse uma boa credibilidade.

Fiz um movimento brusco o suficiente para pegá-la desprevenida, e levei sua mão até meus lábios, beijando-na.

- Criança má. - Disse.

Ela pouco me respondeu, apenas sorriu e saiu despretensiosamente, com seu vestido balançando e seu cabelo o acompanhando em movimento.

Criança má, disse a mim mesmo.

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Naquela mesma noite, após simular uma dor incessante na cabeça e faltar na homenagem do homem que matei, tive um sonho absurdamente interessante. Interessante o suficiente para que eu acordasse e desejasse rasgar todo vestido daquela mulher, mas me contentei apenas em tomar uma forte dose de Whisky e pensar quando de fato, não precisarei tirar o vestido dela, pois ela o fará sozinho. E pelos meus cálculos, não deve demorar tanto.

O Inimigo Do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora