Guerra.

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Estava tudo acontecendo muito rápido. Minha visão era inundada com o cinza e o bege daquela paisagem apocalíptica. No meu peito pendia um cordão, que mostrava uma foto da minha esposa com nosso filho. Triste.

Eu estava na linha de frente. Não tinha muita experiência em guerras, então me colocaram para ir junto dos primeiros a encontrar os inimigos. Me colocaram para ir de encontro às tropas inimigas. Eu corria. O pó da areia que levantava enquanto corriamos e o vento batia entorpecia minha visão. Eu segurei o colar com a mão direita. Rezei para tudo dar certo.

Estávamos todos indo juntos, mas eu decidi que ia parar por um tempo para urinar em um beco. Afinal, era só ir correndo mais rápido e alcançá-los depois. Depois de ajeitar a minha calça eu saí daquele beco. Eu já podia escutar os helicópteros à distância. Eu corri na direção onde todos haviam ido. Ao finalmente sair da frente do prédio, eu dei de cara com um homem, que saía da outra face do prédio. "Talvez ele estivesse ali para nos pegar por trás", foi o que pensei na hora. Levantei o rifle, que pendia em minha centura pela faixa que dava a volta no meu peito como um cinto de segurança. Desativei o pino de segurança e apontei a arma para o meu adversário, que estava no mínimo a uns 15 metros de distância de mim. O tiro seria certeiro. Eu não conseguia apertar o gatilho. Não queria. Isso normalmente significaria minha morte, mas não. O homem que estava em minha frente, enrijecido, também não tinha a coragem de fazê-lo. Lentamente ambos abaixamos nossos rifles. Ele se endireitou e começou a falar algo na língua iraniana, essa a qual não tenho a menor ideia de qual seja.

Ele agarrou, do bolso de seu traje, uma imagem. Ele começou a andar em minha direção. Eu nem pensei em entrar em postura de atirar. Ele se aproximava de forma tão mansa. Ele continuava a dizer algo que eu não entendia, mas compreendia. Ele estava triste. As lágrimas apareciam em seus olhos claramente. Ele estava chegando bem perto de mim. As lágrimas desciam nas maçãs de seu rosto feito uma cachoeira. Não parecia ter ninguém perto de mim. Era indescritível o sofrimento que ele parecia ter. Eu também não aguentei e comecei a chorar. Não esperniei, as lágrimas desceram lentamente pela minha face. Ele chegou a encostar em mim, e no meu peito derrubou lágrimas de tristeza enquanto chorava alto.

Ele assim como eu, foi afastado da família pelos poderosos, que se escondendo atrás de suas grandes poltronas; mandam os jovens, velhos, solteiros, casados, ricos e pobres para lutar sua rixa. Ele não queria lutar. Nós não queríamos. Eu finalmente abri meus braços para o abraçar.

FSIIIIIIU

SPLASH.

Eu não queria olhar, mas eu já sabia o que havia acontecido. Meu braço direito estava quente, e sentia algo percorrendo sua superficie. Com certeza não era um inseto. Eu, relutantemente, olhei para meu próprio braço. Um líquido vermelho pingava do mesmo. O barulho de choro havia parado. Eu não conseguia mais derrubar lágrima alguma. Estava em choque. Não queria aceitar, mas infelizmente alguma hora eu teria. Escutei passos distantes à minha esquerda. Enquanto se aproximavam, eu olhei lentamentepara baixo. Tentando negar o que eu já sabia que era verdade.

"Ele não está morto. Ele não está morto, está? Ele não pode estar."

Meus olhos encontraram o topo de sua cabeça. Com minhas mãos, eu segurei os lados de sua cabeça e virei ela para mim. Minhas mãos tremiam incontroladamente. Os olhos dele não focavam em mais nada. A sua boca abriu; o masséter não tinha mais recebido nenhuma informação do cérebro para se contrair. E por quê? Por que ele foi estourado. Eu podia ver os seus miolos saindo do enorme buraco no flanco esquerdo de sua cabeça. O sangue começou a escorrer de seu nariz e a sair de sua boca, e o seu olho começou a ficar muito vermelho.

- UUUUUUAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!! - Eu gritei. Espantado, atônito, desacreditado com a situação. Nunca havia passado algo parecido. Nunca havia visto situação igual em vídeo, muito menos ao vivo. Eu soltei sua cabeça e ele caiu no chão. Eu caí de joelhos ao seu lado, e mesmo tentando cobrir com a boca, não consegui parar o líquido quente que, passando pela minha garganta e a fazendo arder; saiu pela mesma enquanto eu gritava de agonia. Os passos finalmente chegaram ao meu lado. Eu fui agarrado com força pela gola, levantado, e fiquei cara a cara com o homem. Meu cérebro mal conseguia interpretar a imagem de seu rosto. O seu rosto estava desfocado.

- O QUE VOCÊ ESTAVA PENSANDO!? É UM INIMIGO! NÃO UM BICHO DE PELÚCIA PARA VOCÊ ABRAÇAR! - O homem me deu um soco no rosto. Doeu. Doeu muito. Mas eu não tinha vontade nenhuma de esboçar alguma reação. Eu só olhei para ele com meu olhar derrocado. E ao perceber que eu havia entrado em estado de choque, me soltou em pé e me fez correr até o resto do grupo. O iraniano havia ficado ali, largado no chão. A sua família não poderia nem saber o que aconteceu com ele. Meu colar havia sido tingido de vermelho. 

Um homem que vai à guerra, não importa o quão parecido ele volte, nunca é o mesmo.

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