Capítulo Quinze

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As coisas voltaram para os seus eixos. A rotina voltou a tomar conta.
Acordar cedo, pedalar para a escola, estudar (vendo os testes finais se aproximando lenta mas certamente), trabalhar na biblioteca, voltar com a Elizabeth...
Os eventos de troca de livros se repetiram várias vezes nos próximos meses. Liza foi desenvolvendo um blog com a carinha dela, e chegou a ser entrevistada para um jornal local (mas que reviravolta).

O Outono se foi, levando os girassóis consigo. Toda a matéria decadente caiu à terra, virando adubo. As chuvas deram lugar ao frio, e eu sabia que em breve todas as ruas estariam brancas. A escola fechou. A biblioteca em seguida. Era a temporada dos feriados.

No Dia do Peru, vovó veio. Meus tios também. Ninguém da parte de meu pai (eles moram no Alabama). Ouvi uma chamada de telefone onde ele prometia ir lá no próximo ano.
Esteve fazendo isso pelos últimos 12 anos.
Acho que ele não gosta de seus irmãos.

Me entupi de torta de abóbora e também com aquele peru gigante! Eu amava minha família, mas eventos sociais não eram muito minha vibe. Vovó é uma mimadora por essência, extremo oposto da minha mãe. Ela a apoiava não importando a situação.
Deixou presentes debaixo de nossa árvore de natal. Nossa sala já era apertada, para quê a árvore?

Meus tios são figuras! Um é programador, o outro professor de ensino médio (dá aulas de história). Os jeitos como eles se opõem é engraçadíssimo, e é melhor ainda ver eles contando piadas horrorosas junto com meu pai!

Ação de Graças era uma daquelas ocasiões estranhas na minha família onde bebiam o suficiente para te deixar beber sem questionar a legalidade disso. Não vou dizer que saboreei o vinho barato que me forçaram a tragar, mesmo assim.

Louise estava mais empolgada. Eu também ficava na idade dela. Eventualmente cansei.

Quando todos se juntaram em torno da TV para a sessão de nostalgia, assistindo coisas como Ghostbusters e Sixteen Candles, aproveitei minha deixa para sair. Mamãe tinha bebido. O que era raro para ela. Ao menos quando eu e Louise estávamos perto. Ela tinha essa obsessão com parecer responsável.
Torci para que o álcool tornasse ela mais permissiva.

-Posso sair com uns amigos?

-Hmmm...-O resmungo de uma pessoa distraída e indiferente.

Sabia que aquilo bastava.

Pus um cachecol preto e um gorro cinza. Enfiei as mãos no bolso e saí.

***

Tava 47 graus do lado de fora. E o pior é que eu sabia que esfriaria ainda mais.

Ouvi passos. Olhei para o lado. Só vi uma nuvem de vapor cobrindo o rosto de alguém mais alto. Me arrepiei toda.

-Frio, né, Sun-Sun?-Disse com o mesmo tom de deboche de sempre.

-Oh seu filho da puta! Quase me mata de susto!-Levei a mão ao peito.

-Não seja exagerada.-Me estendeu o braço.-Tá indo pra Irene? Te dou carona! Não vai querer pedalar agora, vai ter uma hipotermia!

Lentamente, agarrei seu braço.-Obrigada.

Escolha certa a dele: O calor humano realmente era bem útil.

Sob a luz de um dos postes, consegui vê-lo melhor. Calça cáqui e suéter anil, além de um cabelo muito bem penteado. Estava fofo.
Do nada, porém, ele virou para mim e...me cheirou...?

-Vinho, Summer!?-Franziu a testa.-Você tem uma vibe mais champagne...

-Cala a boca!-Enrubesci.

-Relaxa...-Deu uma risadinha.-Sou eu quem dirijo.

Revirei os olhos.
Demos a volta pelo quintal de Damian. O pai dele até veio me cumprimentar pela janela e dar um sermão nele sobre ser prudente na casa dos outros. Eu ri, me sentindo vingada.
Eles tinham uma camionete vermelha caindo aos pedaços que Damian usava às vezes. Não era exatamente uma carruagem de princesa, mas dava pro gasto. Ele abriu a porta do carona e me deu apoio para que eu conseguisse subir.

Sensação SazonalOnde histórias criam vida. Descubra agora