Tons de Silêncio

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Rhiannon

"Sentada no áspero banco de um reino abandonado, onde os sonhos parecem sucumbir à mediocridade, minhas emoções vagueiam no abismo sombrio da minha mente. Observo a paisagem passar diante de meus olhos, um retrato efêmero de um mundo indiferente às minhas cicatrizes invisíveis. A vida, implacável em sua essência, revela-se como uma trama intrincada de tragédias, um novelo de dor tecido com a linha da existência.

Em meio ao eco incessante das feridas que nunca encontram a cura, mergulho nas profundezas do meu ser, enfrentando um tumulto de memórias dilacerantes. Os traumas se alimentam de mim como um predador insaciável, como se o tempo insistisse em perpetuar o tormento das experiências que permanecem envoltas no véu do silêncio.

Nesta jornada de angústia e desconexão, questiono a natureza humana e sua incessante busca por significado. Será que a dor é apenas uma constante inevitável, um lembrete cruel de nossa fragilidade? Ou será que ela tem o poder de moldar nossa essência, revelando a resiliência latente em nossas almas?

Enquanto os segundos se passam, percebo que a dor e o sofrimento se entrelaçam de maneira inerente com a própria passageira beleza da existência. Pois é nas profundezas da aflição que encontramos uma chama frágil de esperança, uma luz que teima em brilhar mesmo nas trevas mais densas.

Neste caminho tortuoso, sussurro minhas palavras silenciosas ao vento, na esperança de que, algum dia, elas encontrem eco nos corações desgastados de outros viajantes que, como eu, buscam sentido em meio ao caos."

Imersa na melancolia desencadeada por aquele trecho do meu livro favorito, desvio meus olhos das páginas e os deixo vagar pela paisagem desconhecida do lado de fora do vagão em movimento, perdidos na imensidão do desconhecido.

Observo a paisagem que se desenrola além da janela. É um espetáculo digno de contos de fadas. O outono se faz presente, pintando a natureza com suas pinceladas de vermelho, laranja e dourado. As árvores alinham o horizonte, seus galhos estendendo-se em direção ao céu como mãos entrelaçadas, cobertas por um manto de folhas caídas. Cada folha, em seu último suspiro, revela uma explosão de cores vibrantes antes de ser levada pelo vento suave.

Enquanto o trem segue em seu ritmo constante, sinto uma brisa suave acariciar meu rosto. É como se a natureza estivesse sussurrando segredos em meu ouvido.

Na classe econômica, estou sentada em uma poltrona estofada azul-marinho, tensa. Estou sempre tensa. Ao meu redor, os demais passageiros apreciam o espetáculo natural, embora alguns estejam absortos em suas tarefas e conversas quando percebo o silêncio ser rompido por um sussurro quase imperceptível ao meu lado.

Cedric proferira algumas palavras que se dissiparam no ar como fumaça volátil:

— Qual o seu problema? O que você tanto olha do lado de fora dessa janela estúpida?

Não sabia se tinha compreendido bem o que ele havia falado, mas algo dentro de mim optou por não processar o tom de desprezo na voz, numa tentativa frustrada de me autopreservar. Então, apenas voltei meu olhar para Atticus e Seraphine, mudando o foco para a sofrida inocência em seus olhares, algo pelo qual dei meu sangue para proteger.

Cedric era o mais velho de nós, Whisperleafs, com seus 31 anos, depois vinha eu, beirando os 22, Atticus com 7 e Seraphina com seus recentes 2 anos.

Cedric era o que tinha menos semelhanças conosco, compartilhando apenas o tom de pele. Enquanto eu e os dois mais novos compartilhávamos as mesmas cores de olhos.

Atticus ainda tinha mais um detalhe igual: uma pequena marca de nascença.

Sem poder me conter, levei meus dedos à parte externa da perna esquerda, pouco acima do joelho, quase no início da coxa, tocando a pequena marca marrom com um formato indistinto, apesar de minha mãe sempre dizer que parecia uma borboleta. Faço isso toda vez que fico nervosa ou estressada, uma reação automática em busca do pulsar vivo que nunca chega, não desde aquele dia que me assombra em pesadelos todas as noites.

Caminhando Em Direção Às SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora