Horizonte do Silêncio

1.3K 98 38
                                    


"I smile in the mirror in silence

I shove my teeth with gold

I burn my tongue with violence

My eyes turn blood to stone

There's a devil on my shoulder i feel it

Burning my face with hope

There's a monster in the mirror, my spirit

We can't spend too much time alone"

- Burn My Tongue, Jean Dawson


Rhiannon

- Vamos começar - disse o rei, sua voz cheia de um prazer malicioso.

O Arauto do Véu levantou uma mão esquelética, que parecia pulsar com uma luz etérea. Ele a aproximou de minha testa, e no momento em que seus dedos tocavam minha pele, uma onda de frio percorreu meu corpo. Foi como se toda a minha essência estivesse sendo drenada, sugada por um vórtice de escuridão.

Meu corpo ficou rígido, minhas pálpebras se fecharam involuntariamente e entrei em um estado catatônico. Eu estava consciente, mas não conseguia me mover, não conseguia lutar. Estava presa dentro da minha própria mente, à mercê daquela criatura.

Dentro da minha mente, o Arauto do Véu começou a abrir portas. Eu podia sentir a presença dele forçando sua entrada nos recantos mais profundos e sombrios da minha memória. Imagens surgiram à minha frente, momentos do meu passado sendo revividos com uma clareza dolorosa.

Vi-me novamente na infância, as primeiras vezes que percebi minha diferença, meu poder. As noites solitárias em que me escondia, com medo do que eu poderia fazer ou de quem poderia me encontrar. Revivi os dias de treinamento árduo, onde cada erro era punido severamente. Os rostos dos meus irmãos, da minha mãe, do meu pai.

O Arauto não mostrava misericórdia. Ele forçava cada lembrança a emergir, cada detalhe a ser revivido. As dores, as tristezas, as perdas. Eu me vi novamente no campo de batalha, cercada por corpos e sangue, o cheiro da morte impregnado no ar. As batalhas mais cruéis, onde a sobrevivência era uma questão de segundos e a brutalidade era a única linguagem compreendida.

A cada segundo, alcançávamos um ponto mais profundo em minhas lembranças, e eu podia sentir que ele estava chegando perto de algo que eu não queria reviver, algo que me havia quebrado em tantos pedaços que eu não acreditava mais na possibilidade de ser inteira novamente.

O Arauto podia sentir que estava no caminho certo porque ele podia perceber minhas emoções, mas isso era uma via de mão dupla. Da mesma maneira como ele conseguia sentir minhas emoções, eu conseguia sentir as dele, e isso me dava uma certa vantagem.

Quando ele finalmente alcançou aquela gaveta dentro do meu consciente, a qual eu tinha trancado a sete chaves, senti sua frustração ao tentar acessar aquela memória que, depois de muito tempo e treinamento, eu havia bloqueado.

Eu sabia que não conseguiria mantê-lo fora por muito tempo, não enquanto estivesse com os bloqueadores. O Arauto era forte e ancestral, e eu tinha apenas um décimo do meu poder. Eu não estava exatamente com a vantagem aqui.

Quando as paredes finalmente cederam, quando o Arauto derrubou o muro e transpassou em direção ao meu passado, vendo o que eu tanto tentei esconder, ele, que deveria ser imune a tais visões, hesitou.

Caminhando Em Direção Às SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora