CAPÍTULO 04

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   Não fui para a escola nos dois dias seguintes, depois de mandar um email para direção dizendo que não poderia ir porque meu cio estava bastante próximo e não queria correr o risco de que ele chegasse de vez enquanto estivesse lá. A diretora sequer perguntou mais alguma coisa antes de me dizer que poderia ficar os três dias restantes até o fim de semana afastado — todos os ômegas tem direito a isso.

    Eu... Simplesmente não poderia ir e correr o risco de cruzar com Tyler e Kaic. E se eles resolvessem ficar me perseguindo mesmo depois de tudo o que eu disse?!

     Depois que corri para fora do banheiro como se a escola estivesse pegando fogo, fiz ziguezague pelos corredores para tentar despista-los — sem sequer saber se estava sendo seguido ou não —, então passei na sala de aula para pegar minha mochila e dei no pé, pegando a minha velha bicicleta e pedalando pelas ciclovias da cidade o mais rápido que conseguia. E mesmo que já tenha passado dois dias depois dessa loucura, eu ainda não consigo acreditar que isso tudo está acontecendo comigo.

     Um grunhido baixinho escapa do fundo da minha garganta só de pensar nisso. Qual seria a probabilidade de eu ser ligado não apenas a um, mas sim a DOIS alfas, e que esses dois fossem Tyler River e Kaic Torres?! QUAL A CHANCE DISSO ACONTECER?! Os dois são os alfas mais populares daquele lugar e arrancam suspiros por onde quer que passem. Eles são de grupinhos diferentes, e até onde sei, Definitivamente não são amigos.

     Ligações entre três pessoas é algo tão raro que mal tem registros, e mesmo não querendo continuar pensando nisso, eu pesquisei durante horas na internet para encontrar... Um monte de nada, pois não há mais do que vagas menções no Google e em alguns blogs. Tudo que descobri é que um elo triplo é exatamente a mesma coisa que um entre duas pessoas. A diferença é que as três pessoas não são ligadas entre si, mas sim duas delas são ligadas a outra — mas sem se ligarem.

     Traduzindo: os dois estão ligados a mim, mas sem estarem ligados um no outro.

     — Urgh! — Solto um rosnado e me encolho ainda mais no sofá do meu apartamento, puxando o cobertor um pouco mais para cima. Pelo visto, mentir sobre o meu cio atraiu um pouco de carma e me deixou um pouco doente, com náuseas e uma sensação estranha fluindo pelo meu corpo desde que cheguei em casa. Tenho passado os últimos dois dias praticamente dormindo na maioria das minhas horas vagas, enquanto passo as outras assistindo besteiras e pensando em tudo que está acontecendo na minha vida.

     Já tomei todos os inibidores que tinha comprado para tentar fazer aquela presença intrusa na minha cabeça ficar um pouco mais amena, mas não obtive sucesso com isso. O elo não é incomodo, apesar de que saber existem duas pessoas do outro lado provavelmente sentindo tudo que eu sinto — Insegurança, medo, nervosismo — é um pouco estranho. Também consigo sentir alguns sentimentos vindos dos dois. Eles estão sentindo coisas parecidas. Ainda estão um pouco eufóricos com isso, além de estarem meio confusos por eu ter fugido. Saber o que eles sentem é algo que fácil que as vezes eu me pego constatando tardiamente que esses sentimentos não são meus.

     Depois de mais alguns minutos tentando inutilmente ignorar os tremores que cruzam o meu corpo, levanto do sofá e esfrego os meus olhos, tateando na mesinha circular que há entre os dois sofás até encontrar meus óculos. O mundo ao meu redor clareia assim que os coloco no rosto, ficando mais vívido e menos embaçado.

    O apartamento que herdei do meu pai é pequeno e aconchegante. Ele tem uma cozinha, uma sala, um quarto e um banheiro. Tudo aqui tem a minha cara, e eu simplesmente adoro isso. A minha pequena sala tem dois sofás — que já estavam aqui antes de eu me mudar para cá, assim como a maioria dos móveis —, uma mesinha entre eles sobre o carpete cinza felpudo, além de uma TV presa na parede. Esse lugar era o apartamento em que meu pai morava quando era solteiro, mas após casar com minha mãe, ele acabou se mudando para a enorme casa da família dela.

     Ele morreu quando eu tinha 9 anos. Aquele homem era o melhor pai que eu poderia ter tido. Ele era tudo para mim, meu herói e meu melhor amigo. Pensar nele faz uma onda de nostalgia me atingir em cheio, assim como um pouquinho de alegria que vem junto com as lembranças felizes. Abro um sorriso ao tocar gentilmente as armações dos meus óculos com a ponta dos dedos, já que eles também eram do meu pai — Embora eu precise trocar as lentes de tempos em tempos.

   Minha mãe casou de novo quando eu tinha 11 anos, e como nunca fui tão próximo dela — muito menos do meu padrasto —, me mudei para cá assim que que completei 15 anos. Ainda tenho bastante contato com minha mãe, porque afinal, ELA É MINHA MÃE e eu a amo, então as vezes passo o fim de semana lá na sua casa. Mas é inegável que esse apartamento me faz bem, e embora eu saiba que não passe de um lugar, é como se a essência do meu pai estivesse impregnada aqui, e saber que ele morou, riu e se divertiu aqui dentro me deixa feliz pra caramba.
    
    Meu celular está carregando em cima do painel da TV, então caminho até lá e o ligo para checar as horas, percebendo que já são pouco mais das 3:00 da tarde, o que me faz ficar um pouquinho surpreso, porque jurava que já era bem mais tarde.

    A minha roupa está completamente amarrotada e velha, mas sequer ligo para isso enquanto caminho em direção a janela grande que há no canto da sala. O apartamento fica no segundo andar do prédio, mas para poupar tempo sempre prefiro descer pela velha escada de incêndio que fica logo depois da janela. Ela está um pouco emperrada, então só consigo abri-la até a metade — O que é mais do que o suficiente para que eu consiga passar —, então passo por debaixo dela e pulo para a pequena varanda que há do outro lado, que está repleta de vasinhos com plantas. A escada caracol é de ferro e já está bastante enferrujada em alguns lugares, mas ainda é perfeitamente útil e resistente, além de levar para o pequeno beco entre os dois prédios e me poupar de precisar passar pelo porteiro.

    Antes de começar a descer as escadas, fecho a janela e checo o meu reflexo nela, percebendo que meu cabelo loiro está absurdamente assanhado e os meus olhos um tanto cansados, mas como não tenho nada o que fazer em relação a isso, dou de ombros e começo a descer os degraus da escada, segurando no corrimão enferrujado.

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DOIS ALFAS E EU [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora