CAPÍTULO 05

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    Há uma farmácia à uns três quarteirões de distância de onde fica o prédio em que moro, então vou a pé mesmo até lá, fungando e tentando não ficar espirrando toda hora. O dia está meio frio e úmido, além de que as nuvens cinzentas que cobrem cada centímetro do céu indiquem que provavelmente vai chover logo logo.

    Hoje é sexta-feira e as ruas estão pouco movimentadas, ou talvez seja porque eu moro um pouco afastado do centro da cidade, longe das lojas mais chiques, dos shoppings e dos restaurantes mais requintados, o que na verdade é bom, pois torna os bairros periféricos mais tranquilos e sem trânsito.

    Não demora mais do que alguns minutos até eu avistar a farmácia, que fica na esquina do outro lado da rua. Olho para os dois lados antes de atravessar, para então seguir até lá em passos rápidos, pretendendo voltar para debaixo do meu cobertor quentinho o quanto antes.

    O interior da farmácia é bem organizado e tem aquele típico cheiro de hospital. Eu enfio as mãos nos bolsos da calça e caminho entre as prateleiras repletas de caixas de remédio, pomadas, camisinhas e produtos de higiene pessoal.

      — Olá, boa tarde. — A atendente diz ao me avistar. Ela é uma senhora gordinha de trinta e poucos anos, e basta que eu dê uma aspirada no ar a sua volta para saber que ela é uma ômega também.

     — Boa tarde. E-eu queria comprar alguns inibidores e remédios para gripe e dor de cabeça. — Digo para ela, vendo-a assentir levemente com a cabeça e abrir um pequeno sorriso.

     — Você tem a receita dos inibidores?

     — Tenho sim. — Respondo, retirando a folha meio amassada do meu bolso e estendendo para ela. Preciso de uma receita nova à cada quatro meses, então vou até um médico para ele me avaliar e dizer a dosagem específica que posso tomar, o que pode variar de acordo com a duração do meu cio e da intensidade do que sinto. Eu poderia parar de tomar caso tivesse alguém para passar o cio comigo e resolver isso manualmente, mas definitivamente prefiro continuar tomando os comprimidos.

     — Só um segundo, querido. — Ela diz depois de dar uma rápida analisada na folha, antes de girar num ângulo de 180° graus e ficar de frente para a imensa prateleira repleta de remédios logo atrás dela, procurando a caixinha de comprimidos que eu tomo. Não demora mais do que alguns segundos até ela encontrar um pequena caixa azul que eu conheço muito bem, pois tenho umas três ou quatro vazias lá no meu apartamento. Ela coloca a caixa em cima do balcão e me pergunta se quero o remédio para gripe e dor de cabeça em comprimido ou líquido, e como não sou muito fã de coisas com o gosto amargo ou ruim, sempre opto por comprimidos.

    — São 35 e 20 centavos. — Ela diz, colocando a caixa do inibidor e as duas cartelas de comprimidos dentro de uma sacola branca. Eu retiro algumas notas velhas de dentro do bolso e percebo que só trouxe 30, o que faz meu coração dar um salto, mas então lembro tinha alguns trocados dentro da capinha do meu celular. Coloco os 30 em cima do balcão com meus dedos trêmulos e agarro o meu celular, quase chorando de alívio ao perceber que a capinha está um pouco estufada para fora por causa do dinheiro. Dentro dela há uma nota de 10 dólares, então a coloco junto com o restante, agradecendo internamente por não ter passado vergonha.

     — Obrigado. — Agradeço assim que ela me entrega a sacola e o troco, então dou meia-volta e começo a andar em direção a saída da farmácia, enfiando as moedas e as notas de 2 dólares no bolso.

     O dia parece estar ainda mais frio e chuvoso do que quando entrei pouco tempo atrás na farmácia, e parece apenas uma questão de minutos até que comece a chover. Trovoadas distantes já podem ser escutadas, mas os pedestres continuam caminhando de forma tranquila como se sequer se importassem com isso. Eu apresso o passo e atravesso logo a rua, aproveitando que há uma faixa de pedestres logo ao lado da farmácia, e mesmo que não haja muito trânsito, aqui é o melhor lugar para atravessar.

    Continuo seguindo em direção ao meu apartamento, mal percebendo que aquele vínculo dentro da minha cabeça está ficando mais forte, pois já percebi que ele oscila levemente algumas vezes durante o dia. Só percebo que o elo está mais forte por causa da proximidade entre mim e os dois alfas quando já é tarde demais.

    — A-ah! — Soltou um gritinho quando vou dobrar a esquina e dou de cara com Tyler e Kaic, batendo o cabeça do peitoral do primeiro. Eu arregalo os olhos e dou um passo para trás, vendo os dois me encararem com a mesma intensidade absurda, como se estivessem em sincronia. Os dois ainda estão vestindo as roupas do colégio e com as mochilas presas nas suas costas, mesmo que a aula já tenha acabado a umas duas horas.

     Pelo visto Tyler gosta de vestir roupas de cores escuras, pois assim como em todas as outras vezes que já o vi andando pelos corredores da escola, dessa vez ele está vestindo um jeans preto, um par de vans e uma camisa cinza escura que combina com seus olhos. Seu cabelo está preso em um coque meio desajeitado e sexy — não que eu vá admitir isso em voz alta para alguém —, deixando seu rosto anguloso completamente à mostra.

     Kaic está vestindo uma regata branca e um calção fino azul escuro, que combina com o par de tênis bonitos que ele está calçando. Boa parte das suas pernas torneadas está visível, assim como seus braços musculosos. Os dois parecem ser atléticos, mas Kaic definitivamente é o que mais participa dos jogos, enquanto Tyler passa um ar de roqueiro e de gangster.
    
     Os dois são tão altos que me fazem engolir em seco, cogitando sair correndo igual fiz no outro dia. Como diabos eles conseguiram me encontrar?!
  
     — Você não foi mais para a escola, Otto. — Kaic diz, dando um passo para a frente e enfiando as mãos nos bolsos do calção esportivo. Ele morde levemente aquele lábio carnudo, focando seus olhos escuros nos meus, o que me faz engolir em seco novamente.

    — E-eu... Não estou me sentindo muito bem esses dias. — Digo, e embora não seja completamente mentira, também não é o real motivo para que eu tenha faltado nos últimos dois dias.

     — A gente sabe que você está evitando e gente. Dá pra sentir aqui. — Tyler explica, tocando as suas próprias têmporas e indicando que conseguem saber que eu estou mentindo através da ligação. Minhas bochechas ardem ao ser pego na mentira, não que eles pareçam ter se importado com isso.

    — Será que podemos conversar com você? Podemos procurar uma lanchonete aqui perto. — Kaic diz, ainda sem desgrudar seus olhos escuros de mim.

    — E-eu...

     — Por favor, Otto. Só queremos conversar. Jamais faríamos alguma coisa contra sua vontade. Desculpa pelo que aconteceu no banheiro. — O outro me interrompe, suplicando com o olhar. Eu penso no que fazer por alguns segundos, antes de soltar um pequeno suspiro e confirmar levemente com a cabeça.

     — Tudo bem.

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DOIS ALFAS E EU [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora