Daphne
Rock era lei em Nightville. Era quase certo que os moradores daquele lugar eram os maiores consumidores de todos os nichos do gênero, indo do country ao metal, do indie ao blues. Para Daphne Campbell, era a companhia mais frequente aos ouvidos. Tudo o que ela sabia sobre música, desde o canto à modesta habilidade com o violão, era alicerçado nos clássicos favoritos de seu pai. Sabia de cor todo o repertório do Thuner's e de qualquer outro bar da região. Talvez por isso achasse estranho toda vez que um turista aparecia perguntando se havia alguma boate eletrônica por perto. Era como se isso sequer existisse em seu mundo.
Mesmo assim, ainda sabia orientar, e era o que estava fazendo na seguinte sexta-feira à noite: ensinando um adolescente recém-chegado a encontrar o único lugar com música eletrônica que ela conhecia, e que por sinal, ficava bem longe da cidade. Os outros meninos e meninas que o acompanhavam deviam ter no máximo dezessete anos. A própria Daphne não era muito mais velha, o que a tornava a fonte de informações preferida destes grupos, e também o que a fazia entendê-los, de certo modo. Por mais que sua vida fosse outra agora, menos de dois anos atrás ela estaria na mesma posição, viajando com os amigos pela primeira vez, procurando boates em cidades pequenas e cometendo crimes leves apenas pela sensação da adrenalina pulsando nas veias. Ela explicou o caminho com facilidade. O rapaz anotou as coordenadas no celular, deu uma piscadela discreta e deslizou sobre o balcão um guardanapo com um número de telefone escrito.
Antes de sair com os amigos frenéticos pelas ruas escuras, gritou um obrigado, bartender. Com toda a certeza, já estavam alcoolizados antes de chegar ali, o que os colocava em certo perigo. Daphne apertou os olhos e repreendeu a si própria. Não tinha que se preocupar. Não eram sua responsabilidade.
Ela ainda olhava distraída para a porta quando um outro homem entrou. O movimento fez o sino da entrada tilintar, e a bartender notou algumas moças erguendo os olhos enquanto cutucavam as amigas. Alto, louro e um pouco largo, talvez indicando uma vida de trabalho braçal ou malhação, nada que destoasse do padrão canadense ou que devesse causar tanto alvoroço.
Ele cumprimentou um ou dois homens que bebiam na mesa mais próxima da entrada, acenou para alguém no fundo do bar e então fixou os olhos em Daphne. Ela se sentiu uma estranha dentro de seu próprio ambiente. De repente, aquele recém chegado parecia mais familiar ao Thuner's do que ela mesma. Observando com mais curiosidade, notou que a camiseta marrom de mangas longas tinha o logo de uma famosa organização ambiental estampado, as calças jeans eram rasgadas e os cabelos cor de trigo bagunçados de maneira proposital. Ela sentiu o rosto corar quando se deu conta de quem aquele era.
Ainda não havia feito nada de errado, mas sentiu-se imediatamente envergonhada pela mera ideia que se permitira considerar semanas atrás. Esperou ardentemente, com o coração descontrolado, que ele se sentasse em uma das mesas e fosse atendido por qualquer outro funcionário, contudo, seus olhos já haviam encontrado os de Daphne, e pareciam já tê-la escolhido como servente da noite. Como se para eliminar qualquer chance de ser substituída por outro bartender, Thomas apareceu na porta semiaberta, acenou para a garota e começou a guiar o recém chegado até o balcão. Ela ordenou a si mesma que controlasse as próprias emoções. Repetiu a si mesma que ainda não havia feito nada de errado. Não devia nada a ninguém. Mordeu o interior da bochecha e decidiu agir como agiria com qualquer outro cliente.
Cruzou os braços para Thomas enquanto ele se aproximava. Pelo menos quatro semanas haviam se passado desde que o conhecera, tempo suficiente para que começassem a trocar favores e informações sobre a vida um do outro. Eram de alguma maneira parecidos. O mecânico era tão financeiramente quebrado quanto ela, e tinha duas irmãs gêmeas na mesma faixa etária de Sean. Naquela tarde, havia enviado uma mensagem pedindo para que a bartender buscasse as meninas na escola quando passasse para pegar Sean. Daphne gostava das duas e não se importava em desviar um pouco do caminho para deixá-las em casa, mas Thomas não se lembrara de especificar no texto o que o impediria de buscá-las naquele dia, o que a deixara um tanto preocupada. Agora, ela pensava que se o mecânico houvesse falado, talvez pudesse ter se preparado melhor para a chegada do tão falado Jake Johnson.

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Hey, Bartender
Misterio / SuspensoA cidade de Nightville foi, por muito tempo, uma das mais tranquilas e pacatas do Canadá. No entanto, quando alguns criminosos começam a aparecer enforcados nos arredores e cidades vizinhas, o medo se faz rei nos corações de toda a população. Daphn...