06. Morais

165 25 39
                                        

Sean

Sean estava preocupado com Daphne, e vergonhosamente consigo mesmo. Não se imaginava sem a presença da irmã mais velha depois de tanto tempo sem saber o que era ter mais alguém além dela. Ele já havia estado em situações parecidas antes. Sabia se virar sozinho. Era obrigação de um Campbell sobreviver. O que o incomodava era o fato de que Daphne nunca desaparecia sem avisá-lo. Nunca mesmo. Sentiu que talvez devesse ir até o Thuner's procurá-la, talvez algo houvesse acontecido a ela. Odiou a si mesmo por ser tão impotente. Chamou-a pelo celular mais de uma vez, mas a caixa postal era automática. Ligou no Thuner's, porém, uma onda de toques seguido pela insistente secretária eletrônica foi a única coisa a atendê-lo.

Decidiu que iria procurar por ela. Daphne jamais hesitaria em socorrê-lo fosse o que fosse. Que espécie de covarde seria ele se a abandonasse em uma provável encrenca? Colocou o casaco fino de lã cinza e calçou novamente os tênis largados na soleira da porta. Inspirou profundamente o aroma de madeira da casa, certificando-se do funcionamento estável de seu falho coração. Como não sentiu dor alguma, imaginou que conseguiria chegar até o bar. Depois de apagar as luzes da casa e trancar a porta, ajeitou o capuz para que lhe cobrisse as feições infantis e pudesse aparentar pelo menos alguns catorze anos. Ao contrário da irmã, ele havia herdado de Anton uma altura generosa, não seria a primeira vez que se passaria por mais velho. Seu professor ancião de francês, William Beauchamp, vivia dizendo-lhe que deveria estudar mais se não quisesse repetir de ano outra vez. Sean já havia desistido de tentar convencê-lo de que nunca havia repetido.

Enfiou a chave e as mãos nos bolsos da calça e começou a caminhar de cabeça baixa, evitando qualquer olhar com algum estranho, ainda que soubesse que seria pior se encontrasse algum dos conhecidos de seu pai, aqueles que passaram a aparecer no caminho de volta para casa com uma frequência incômoda. Lembrava-se com clareza do dia em que voltava sozinho quando os homens o derrubaram no chão depois de um esbarrão acidental. Riam cheios de diversão enquanto viam-no tentar alcançar a mochila que chutavam de um lado para o outro. Ele os confrontara aquele dia, e um dos homens o encostara contra uma parede, erguendo-lhe pela blusa de moletom, ofendido pelas ofensas inteligentes do garoto. Sean resistira à falta de ar que ameaçara expor suas fraquezas até que eles decidissem parar de atormentá-lo. Era tudo uma encenação para que ele enviasse a mensagem ao pai, algo que se recusara a fazer quando vira Anton no dia seguinte.

O Campbell caçula teve de se armar da própria bom vontade para controlar o coração quando dois sujeitos viraram a esquina com pressa, marchando pesadamente em direção a ele. De longe, o garoto discerniu as silhuetas de um casal, ou poderiam ser, se não estivessem tão distantes um do outro. Enfiou as mãos mais fundo no bolso e continuou andando até esbarrar na mulher sem querer. Murmurou um pedido de desculpas e continuou andando, quando a ouviu chamá-lo.

— Ei, garoto, espere!

Ele olhou para trás, buscando a coragem para enfrentar o problema. Já estivera em situações piores, lembrara a si mesmo, o episódio na escola não havia sido o único. Eles sempre voltavam para intimidá-lo, exigindo que pagasse a dívida do pai e até ameaçando Daphne. Fora por essa razão que começara a roubar algo aqui e ali das economias da irmã. Ela raramente notava, e se notava, culpava a si mesma achando que havia perdido em algum lugar ou que administrara mal o salário.

Sean ergueu a cabeça. Um casal não poderia ser uma ameaça tão grande assim ao filho do marginal Anton Campbell, mesmo que com apenas quarenta por cento de funcionamento cardíaco. O que lhe fora tirado de saúde fora recompensado em coragem e até mesmo uma pitada de imprudência e orgulho. Girou o corpo nos calcanhares para ver o casal. Então finalmente viu, pela precária iluminação da rua, as feições da mulher se tornarem mais claras. Ele a conhecia.

Hey, BartenderOnde histórias criam vida. Descubra agora