Reconciliação Clarena - Um novo recomeço (One-shot)

Capítulo único

AVISOS DE GATILHO: descrição de abusos e menção a estupro.

______________________________________

É como dizem: tudo que está ruim sempre pode piorar.

Foram mais de vinte anos calada, sendo destruída de dentro para fora. Clara estava sozinha de novo, no quarto que guardava muitas lembranças que a assombravam. O sabor da injustiça era amargo, e a dor, dilacerante. Clara voltou para casa sem ter dado o seu depoimento, pois não quiseram ouvir o que ela tinha a dizer. Caramba! Ela viveu vinte anos com aquele canalha, se alguém tinha propriedade para falar quem ele era de verdade, era ela. O que restou foi apenas chorar. E ela chorou por bastante tempo, tomada pelo sentimento de impotência. Ela se sentia terrível por não ter entendido tudo a tempo. Por ela e por todas as outras. Pelo Rafa. E se sentia terrível também por não ter entendido a tempo de não perder Helena.

Ela queria poder ouvir sua voz, sua risada, sentir o seu cheiro e o conforto da sua presença. Clara queria poder se perder nos seus olhos mais uma vez. Seu quarto ganhava um novo significado quando ela acordava e era Helena quem ela encontrava, deitada ao seu lado; recomeço. E era Helena quem ela queria ao seu lado, vivendo com ela essa nova etapa da sua vida, e todas as seguintes. Era Helena quem ela amava.

Mas a coisa ficou feia, como Clara já previa.

Em poucos meses, a vida de Clara tinha virado de cabeça para baixo. Ela se apaixonou pela sua personal trainer, que a ajudou a reconquistar sua autoestima e a perceber como seu atual ex-marido a machucava de todas as formas. Elas viraram amantes e ele descobriu. Então, ela descobriu que a namorada de seu filho havia tido um caso com ele, o que lhe deu o impulso que ela precisava para expulsar o abusador de casa. O canalha começou a apertá-la financeiramente, o medo de passar necessidade foi crescendo e as contas não paravam de chegar. Ela temia pelo seu destino e, principalmente, pelo de seu filho.

Era muita coisa em muito pouco tempo, Clara sentia que estava à beira de um colapso.

Helena sempre falava que estava ao seu lado, que ela não precisava passar por nada disso sozinha. Mas o medo de Clara estava no controle, obscurecendo seu julgamento, e tudo que fora reprimido por tanto tempo, como a raiva, foi sendo liberado, respingando nas pessoas que ela mais amava. O casal brigou várias vezes. Até que, um dia, Helena cansou. Ela sentia que Clara não estava se entregando por inteiro, que ainda estava muito presa a Theo. A aliança que permanecia em seu dedo era um lembrete constante daquilo, de que entre elas sempre haveria ele; e que ele ainda tinha controle sobre Clara, através das suas manipulações.

Então, ela foi embora.

Clara ficou arrasada.

A ideia de uma pessoa como Helena estar interessada numa pessoa como ela, foi confuso para Clara, à princípio; uma mulher mais jovem, bonita, inteligente e confiante. Mas a forma como essa mulher a via era tão incrível que ela gostaria de se enxergar através dos seus olhos. E aí é que ela foi se reencontrando, resgatando a Clara que estava escondida bem lá no fundo, e que Helena enxergou e ajudou a trazer para fora novamente.

O clima havia ficado tenso entre elas, e Helena estava com raiva. Clara não conseguia ficar com raiva dela, não de verdade. Ela queria tomá-la em seus braços, tê-la de volta em sua vida, sentir suas mãos entrelaçadas, como um lembrete de que a morena estava ao seu lado. No fundo, ela torcia para que Helena sentisse o mesmo, e que não a odiasse.

Hoje, Clara recebeu a notícia de que seu ex-marido havia sido inocentado.

Foi como um soco no estômago. E, novamente, ela chorou.

Ele estava livre e, pior: tido como vítima de um grande golpe dado por mulheres oportunistas. Doía muito. Um filme passava na sua cabeça, mostrando todos os momentos em que ele havia sido violento com ela, fisicamente e psicologicamente. Todos os momentos em que Clara sentiu sua luz ir se apagando mais um pouco, a cada comentário sobre sua personalidade "irritante" ou seu corpo, que já não era mais o mesmo de dezenove anos atrás. O mesmo corpo que por muitas vezes ele encheu de marcas e violou.