Capítulo 3

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Raoul


Ouço as batidas leves na porta. Uma batida. Duas seguidas e logo três seguidas. É o código. A porta se abre e Carmine entra, caminhando a passos rápidos até a cama, onde joga a mochila e se joga bufando.

— Chega pra lá, idiota!

— Seu jeito carinhoso é o que mais me encanta — digo me afastando para ela se deitar ao meu lado. — Isso não é cara de quem gozou.

— Ainda sou a virgem imaculada. Ele terminou comigo. Disse que sou cega e que vai voltar pra Minas. Ah, e disse que me ama.

— Nessa ordem?

Ela encara o teto enquanto diz:

— Sei lá. Nunca mais me deixa namorar nenhum babaca. Já decidi: serei a tia dos seus filhos. Nunca mais vou namorar.

A imito, encarando o teto.

— E quem disse que terei filhos? Pode parar de me incluir em seus planos furados.

— Que péssimo amigo você é.

— Termina comigo então.

— Babaca! — bate de leve no meu braço. — Você devia me consolar.

— Humm não. Já faço demais por você.

— Faz porra nenhuma. — Senta na cama. — Eu é que faço demais te aturando.

— Vem aqui. — Faço ela se deitar novamente, com a cabeça no meu peito nu. Não tenho costume de usar camisa em meu quarto. — Você amava aquele sonso? — pergunto enrolando um cacho no meu dedo, distraído nessa imensidão de cachos que são seus cabelos.

Ela suspira ruidosamente.

— Pior que não. Eu gostava dele, era divertido e suave. Achei que um primeiro amor deveria ser assim.

— Mas se não o amava, como ele poderia ser seu primeiro amor?

— Que pergunta difícil.

Por longos minutos ficamos em silêncio, pensando em perguntas difíceis.

— Por que ele disse que você é cega?

— É outra pergunta difícil. Mas, segundo ele, eu vou descobrir sozinha, quando for tarde demais.

— E se eu cortar a língua dele e...

— Deixa a língua do cara. — Me interrompe. — Ele vai precisar, seja lá em que buraco for morar.

— Se você diz. — Dou de ombros.

— Raoul?

— Hum?

— Você me acha cega? — pergunta, mas não espera resposta e pergunta outra coisa. — Por que eu sou sua amiga? Eu sou pobre, não tenho nada a oferecer em nenhum aspecto. E eu sei que você nunca faz nada que não seja para te beneficiar. O Raoul com o qual convivo há sete anos se valoriza acima de qualquer um e não dá a mínima para o que não quer, muito menos para sentimentos de outras pessoas, então por que eu estou aqui com você? Por que estou deitada na sua cama como se eu fosse importante?

Essas perguntas me pegam desprevenido. Juro que não sei por que, mas ela é importante. E deixo isso claro.

— Eu a valorizo acima de qualquer pessoa, simplesmente porque você é parte de mim. Digamos que eu sou o corpo e a mente, e você, com todos esses sentimentos exagerados, é o coração que eu nunca quis, mas que precisa bater para que eu sobreviva.

Ela suspira.

— Isso é profundo.

— É como me sinto. Você será minha melhor amiga até que eu pare de respirar. Não pode fugir disso, Chapeuzinho Vermelho.

— Esse apelido... Eu o odeio.

— Mentirosa.

— É verdade, odeio. — Se levanta e sai da cama. Deixando meus dedos com saudades dos seus cachos. — Agora vamos estudar, eu não vim aqui ficar de papo furado. Se eu repetir o último ano culparei você.

— Se repetir, eu vou repetir também. Afinal, você vai comigo pra faculdade. Vamos estudar em Seoul, onde eu aproveitarei que eles não gostam muito de estrangeiros para ter paz.

— E eu aproveito pra viver um romance de dorama. Gosto dessa ideia.

— Só pensa em romance. Não sei o que vi em você.

Ela revira os olhos enquanto abre a mochila e tira o caderno, lápis e borracha.

Coloco a camisa — sei lá porque —, puxo uma cadeira e sentamos lado a lado na escrivaninha.

Estumamos muito, aomesmo tempo em que fazemos planos de como será nossos anos como estudantes naCoreia do Sul ou seja lá onde vamos fazer faculdade. Isso me lembra que precisoavisar meu pai para alugar uma casa lá, não importa onde seja esse "lá".


***


Saio do quarto e vou até a cozinha providenciar um lanche. Carmine está dormindo, toda esparramada na minha cama. Estudar lhe dá sono.

— Onde vai? — Henry tira a atenção do celular e olha para mim ao me ver passar pela sala.

— Não é da sua conta.

— Que menino bravo! Vai espantar a namoradinha.

Continuo andando para a cozinha. Perder tempo respondendo meu irmão é opcional e eu escolhi não perder.

— Acho que nosso pai precisa ensinar alguém a respeitar os mais velhos. — Ele me segue, ainda falando.

Papai devia me dar de presente de Natal a permissão de cortar a língua desse meu irmão.

— E eu acho que ele faz bem em te mandar casar. Anda com muito tempo ocioso.

— Seu moleque! — Henry para na minha frente com a expressão carrancuda.

— Se esse é o seu jeito de me intimidar, devo dizer que não está funcionando.

Ele se afasta bufando, mas logo pega o pedaço de bolo de cenoura que tirei para Carmine e come.

— Ei! Cuidado com os dedos. Pode ficar sem eles.

— Maninho, você é assustador, sabia? — fala de boca cheia.

— Já me disseram isso.

— Sorte sua que eu te amo.

— E a sua é que somos irmãos. Me ensinaram que não se pode estripar irmãos, mesmo quando eles merecem.

Ele sorri de um jeito canalha.

— No máximo podemos rolar por ai nos socando.

— Gostei disso.

— Marcamos qualquer dia. — Ele fala e sai da cozinha. Claro que depois de pegar a maçã que era para Carmine.

Idiota!

Eu não perco meutempo pensando nele. Coloco as coisas na bandeja e subo para acordar uma certadescabelada.

DEGUSTAÇÃO - Chapeuzinho Vermelho do Mafioso - Contos da máfia - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora