Capítulo 01: Quase Sem Querer.

40 5 11
                                    

''Sociedade, tudo está em ordem

As orgias choram

sobre antigos perfumes

Os antigos bordéis

Nas muralhas em chamas

Os gases em agonia

Ardem sinistramente

Para seu livido céu

Ó mundo trágico

Repleto de tolices

Acordai, acordai e entrai na vida

Acordai...''

(Vultos DF- Enquanto Houver Cigarros Nos Bolsos Do Casaco)

♤♤♤

   Meu celular, ou melhor, o que restara dele, reproduzia incansavelmente o irritante barulho de seu alerta de ligações sobre a cômoda próxima a minha cama. Sem muito pensar, cobri minha face agressivamente com um travesseiro, em uma falha e estúpida tentativa de ignorá-lo.

   Dessa forma, iniciava-se outra segunda-feira. Ensolarada, sem a possibilidade de interação com qualquer outro ser vivo, evitando, assim, a perda de meu réu-primário. Mas, sejamos francos, este "súbito" desejo não se aplica a mim, um proletário.  

   Duas semanas passaram-se após um dos episódios mais graves de minha vida e eu ainda podia sentir os efeitos deste em minha pele. Não haviam grandes ferimentos em meu físico, com exceção de minha perna, onde um grande hematoma se alojava e, pior, tornava o meu caminhar um evento tenebrosamente caótico. 

   Apesar disso, meu âmago sangrava impiedosamente sobre as acusações caídas sobre mim horas depois de abrir os olhos a vida outra vez. Todos pensavam que eu havia tentado contra minha vida, o que, francamente, é tão absurdo quanto a existência da Terra plana.

   Ergui meu braço, alcançando o maldito aparelho. Nove horas e quarenta e cinco minutos. Número desconhecido. Muito provavelmente um representante do Programa de Apoio Psicológico do hospital em que enfiaram-me no fatídico dia, pronto para checar se eu havia vestido o paletó de madeira, afinal, encontrava-me com pouco mais de uma hora e quinze minutos de atraso para a consulta do dia.

   Levantei-me rapidamente, usando o móvel próximo a mim como apoio. Espreguicei-me, resmungando e então observando que Mitch, meu gato, encarava-me, aparentando tão mal humorado quanto seu próprio dono. Acariciei a cabeça do animalzinho, sentindo-me um pouco menos rabugento ao fazê-lo e então apressei em me vestir decentemente.

  Camiseta social branca, calça bem alinhada e sapatos brilhosos. Ainda restava vaidade em mim, apesar de minhas evidentes olheiras e expressão cansada. Escovei meus dentes e penteei os cabelos, ajeitando-os em um topete. Corri para a sala, onde deixara minha inseparável mochila, tomando-a, juntamente as minhas chaves, e então, finalmente, deixei meu apartamento.

   A manhã estava realmente bonita. Haviam pássaros cantando por todos os lados, pessoas indo e vindo, além de crianças, brincando alegremente. Respirei fundo, observando-as enquanto caminhava. Aquele ar, aquela graça. A inocência.    

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Apr 19 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Drugstore Perfume (Frerard Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora