Aos 61 anos Grace Collins havia sido diagnosticada com Alzheimer.
Grace passou quase um ano sendo avaliada, até que o médico que a acompanhava reunisse a família dela para dizer que ela estava com a doença e receitar os tratamentos e cuidados necessários.
Aquele foi o pior dia da vida dela.
Grace queria interromper o médico enquanto ele falava, queria dizer para ele que sua memória estava boa o suficiente, que era normal esquecer algumas coisas na idade dela. Ela queria despejar sobre ele todas as suas lembranças para que ele percebesse que estava equivocado em dar aquele diagnóstico.
Na sala sem graça do hospital, com os olhares pesarosos e chorosos de seu marido e filhos, ela sabia, o médico estava certo de seu diagnóstico. Ela sabia, mas admitir era difícil. John apertava a mão dela por debaixo da mesa, mas o medo apertava o coração dela com mais força ainda.
Naquela noite, o dia em que recebeu o diagnóstico, deitada sobre o peito do marido, enquanto os braços dele a apertavam, Grace pensava em tantas coisas ao mesmo tempo, e não podia evitar suas lágrimas. Do lado de fora, os trovões e relâmpagos pareciam compartilhar a tristeza dela. Ela insistia para que o marido não a deixasse dormir, tinha medo de não reconhecer mais nada ao acordar. Mas John a deixou dormir, mesmo que ela ficasse acordada todos os dias dali pra frente, não retardaria a doença. Havia um tratamento para isso, e mais do que tudo, havia um Deus que a cuidaria.
Grace havia dormido, mas John não pregou os olhos. Com a esposa adormecida em seus braços ele se permitiu chorar, quando não pode conter seus soluços ele ajeitou a esposa na cama e com esforço conseguiu sentar em sua cadeira e chegar até a sua poltrona próximo a janela.
Sentado em frente a janela, na penumbra do quarto, com a chuva açoitando a vidraça, e as lágrimas ainda jorrando de seus olhos, John questionava a Deus, porque aquilo estava acontecendo com Grace. Porque Deus permitiu aquilo. Naquele momento ele era o menino John diante de Deus, com medo, frustrado, irritado e triste. Sua bíblia estava em uma mesinha ao lado da poltrona. Por longos minutos se recusou a pegá-la. Apesar de sua revolta, ele sabia que só a palavra de Deus o confortaria. E assim foi, quando ele a segurou aberta em suas mãos, e as palavras ali escritas penetraram seu coração.
Eu cria, mesmo quando eu disse: "estou muito aflito".
No dia da minha angústia clamo a ti, porque me respondes.
Na angústia invoquei o Senhor, e o senhor me ouviu e me pôs a salvo. O senhor está comigo, não temerei.
John foi consolado por Deus. E ali sentado se permitiu mergulhar em suas lembranças. Após acordar, Grace fez o mesmo, embarcando em seu passado, voltando a suas memórias para momentos que haviam marcado sua vida.
Quando marido e esposa se juntaram momentos mais tarde, Deus os consolou novamente.
Seis anos haviam se passado. A doença de Grace havia evoluído rapidamente, mesmo com a medicação. Grandes foram os desafios até ali.
Grace não se lembrava de nada a não ser sua infância. Vivia os dias como se fosse a garotinha de tantos anos antes. Ao menos nesses momentos se encontrava alegre. Mas havia dias em que teimava e se recusava a tomar o remédio, chorava e se pudesse ela correria. Por vezes queria sair na chuva, sem se dar conta de sua fragilidade. Brigava com John e se afastava dele, depois pedia desculpas e o convidava para brincar.
John havia aprendido a ser mais paciente, e no que podia ajudava no cuidado da esposa. Mas havia dias em que desabava, então chorava e clamava a Deus, era tudo o que podia fazer.
Era primavera e ele estava sentado ao lado de Grace na varanda. Ambos observando uma borboleta pairando sobre o peitoril da varanda, a sensação de que aquela primavera era diferente pairava ainda sobre ele. John voltou seus pensamentos para suas lembranças, em muitos momentos se permitia fazer isso.
A mão de Grace ainda na dele.
A noite havia tomado completamente seu lugar no céu. Alguém acendeu as luzes da varanda, mas fizera o favor de deixá-los a sós. As lágrimas já molhavam todo o rosto de John. E sem vergonha nenhuma ele as deixou cair à vontade. Baixinho ele disse o quanto a amava.
Grace o surpreendeu, quando, apertando a mão dele, o respondeu.
- Eu também te amo, menino John.
Ele chorou mais ainda, se é que era possível.
A borboleta que pairava próximo a eles, começou a voar para longe, em direção ao céu noturno.
John olhou para Grace. A mão dela deixou de apertar a dele. Os olhos de sua amada estavam fechados, uma única lágrima escorreu pelo seu rosto ainda tão belo e encantador.
- Voe minha Butterfly. Voe para casa.
Ele sabia. Aquela primavera era diferente.
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Borboletas no Jardim
Short StoryCONTO 1| Família Collins Não é segredo para ninguém o quão complicada e cheia de altos e baixos é a fase da adolescência. Repleta de dúvidas, medos, escolhas, descobertas, alegrias e tristezas. A fase onde, talvez mais nos questionamos quem somos, o...