Capítulo 7

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Os olhos verdes
Sim, os holofotes
Brilham sobre você
E como poderia
Alguém
Rejeitar você?
(Green Eyes – Coldplay)


Lembro que eu estava sentado na sala de estudos, adiantando um chato e trabalhoso questionário que eu teria que entregar na semana seguinte. As minhas mãos já estavam cansadas de tanto escrever e deduzir as fórmulas pedidas pelo professor. A minha visão estava começando a ficar embaçada pelo esforço que eu fazia para resolver todas aquelas malditas questões.

Lembro de escutar um barulho que me chamou a atenção. Ao erguer a minha cabeça para cima, vi a sua silhueta através da parede de vidro que nos separava. Você acenou para mim com um sorriso inocente no rosto e, então, escreveu algo no caderno que estava em suas mãos. Instantes depois você virou a folha para mim e eu finalmente pude ler o que estava escrito: "Você sabe andar de bicicleta?"

Inclinei a minha cabeça para o lado, confuso com a pergunta aleatória e repentina. Mas você sempre foi assim, Saturn. Você sempre surgia com um assunto inusitado em horas completamente inusitadas. Sempre achei isso curioso e intrigante em você. Por fim, levantei o meu polegar, dizendo que sim, eu sabia andar de bicicleta. Afinal, quem é que não sabe, certo?

Logo em seguida eu ajustei o óculos em meu rosto e, então, voltei a minha total atenção ao questionário à minha frente. Ah, aqueles exercícios estavam tão difíceis, Saturn! E eu odeio me ver falhar na resolução dos cálculos. Odeio e sempre odiei não ter o controle sobre algo, mesmo que uma simples e mísera questão.

Você bateu novamente no vidro e eu respirei profundamente antes de olhá-la. Era tão difícil assim perceber que eu estava ocupado? Era tão difícil perceber que eu estava concentrado? Ou pelo menos tentando me concentrar? Lembro de ser obrigado a apertar os meus olhos para poder enxergar a sua pequena letra. "Me ensina?"

Eu ri, irônico. Como alguém da sua idade ainda não sabia andar de bicicleta? Fala sério, é o básico que se espera de uma criança. Foi então que eu me lembrei da sua lista, Saturn. Lembrei-me especialmente do nono item. Lembrei que isso fazia parte das suas tarefas. E, mesmo assim, eu respondi: "Estou ocupado." Simplesmente assim.

"Qual é, garoto astrônomo?" Você fez um bico manhoso, assim como a minha irmã de apenas dez anos de idade fazia. Era adorável, porém eu conhecia muito bem aquele truque, afinal, eu sou o irmão mais velho. "Você merece uma pausa. Eu vi que você está estudando a tarde inteira e agora parece cansado." Eu podia escutar a sua voz ser abafada pelo vidro a minha frente. Você abaixou a cabeça e voltou a escrever no caderno. "Por favor!" era o que estava escrito. Revirei os olhos lentamente.

Respirei fundo mais uma vez antes de, enfim, largar a lapiseira sobre a mesa. É, eu realmente devo admitir que: sim, eu estava cansado. Talvez, fazer uma breve pausa fosse mesmo uma boa ideia para clarear a mente. Assim eu poderia voltar a resolver aquelas questões mais calmamente.

Quando eu me levantei da mesa, pude escutá-la gritar em comemoração. O quarto andar foi milimetricamente preenchido com a sua voz estridente e animada, e vê-la vibrar com algo tão banal assim me fez sorrir, mesmo que discretamente. Apesar de tudo, você era uma boa pessoa, Saturn. Sempre foi.

"Obrigada, garoto astrônomo!" As suas mãos estavam erguidas no ar, ainda em comemoração por eu ter cedido às suas vontades. "Você não vai se arrepender." Você se aproximou de mim e tocou em minha cintura, arrancando-me uma breve risada com a cócega que eu havia sentido. "Viu, já está se divertindo."

Balancei a minha cabeça para o lado, em completa negação.

Violetas em SaturnoOnde histórias criam vida. Descubra agora