Pois todo o meu cabelo abandonou meu corpo
Toda minha agonia
Saiba que eu nunca me casarei
Querido, eu estou encharcada da quimio
Mas contando os dias para ir
Isso simplesmente não é viver.
(Cancer – Twenty One Pilots)
– Ei. – Bato exatas duas vezes na porta de madeira branca do quarto duzentos e oito antes mesmo de tocar na maçaneta. Respiro profundamente ao notar que esse é o andar da oncologia pediátrica. Violet realmente tem câncer. – Posso entrar? – Pergunto após abrir a porta, delicadamente.
Vejo a garotinha de olhos azuis parar de pintar o seu livro de colorir e, então, ela olha em direção à entrada do quarto, procurando pela voz que falava com ela. Violet abre um grande sorriso ao me ver ali, diante do quarto 208.
– Ocean! – Ela parece estar completamente surpresa com a minha presença. Há uma enfermeira bem ao seu lado, realizando a troca do líquido transparente que alimenta um dos acessos de Violet, mas ela sequer parecia notar o procedimento. – Você veio.
– Voltarei daqui uma hora para ver como você está indo, tudo bem? – A enfermeira diz monotonamente, como se estivesse lendo um roteiro cuidadosamente planejado. – Se precisar de qualquer coisa me avise. – E sem ao menos esperar por uma resposta, a enfermeira deixa o quarto.
Mesmo sem haver uma confirmação totalmente explícita de Violet ou da enfermeira que ali estava, adentro o quarto. O horário de visitas de Saturn ainda não havia começado, mas Violet, pelo que eu soube, não possui restrições de horário.
– Ah, antes que eu esqueça: eu trouxe algo para você. – Atravesso o seu quarto claro e bem iluminado, aproximando-me da cama de Violet. Estendo as flores que eu carregava discretamente em sua direção.
O seu quarto é muito maior que o de Saturn, mas, em compensação, a garotinha o divide com outras duas pacientes do hospital. É uma espécie de quarto compartilhado mas, neste momento, ela está sozinha. Talvez as outras estejam fazendo algum exame ou algo do tipo.
– Margaridas! – Ela exclama, surpresa. Violet segura o pequeno buque de margaridas que eu comprei numa floricultura próxima ao hospital. Os seus dedos contornam as flores brancas, uma por uma. – Você lembrou delas. – E eu posso jurar que os seus olhos estão brilhando. – Eu nunca ganhei margaridas antes.
Violet respira o cheiro discreto das suas margaridas. Ela observa atentamente cada mínimo detalhe das flores, desde as suas pétalas brancas ao seu miolo amarelo, a cor preferida de Saturn.
Noto que há alguns lápis de cor espalhados pelo colchão de Violet, juntamente com um antigo livro de colorir das princesas. O livro que ela estava colorindo antes de eu entrar em seu quarto. Percebo que há uma etiqueta na capa que indica que ele fora doado por alguma ONG ao hospital.
– Você gosta de colorir? – Aponto com a cabeça para o livro fechado em seu colo.
– Eu gosto. Gosto bastante mesmo. – Ela assente rapidamente. Violet coloca as margaridas ao lado do seu corpo, sobre o cobertor branco. E, então, abre o livro para me mostrar todos os desenhos já pintados por ela. – Ajuda a me distrair quando a dor chega. Os psicólogos do hospital que me ensinaram isso.
Olhei-a por um instante, completamente assustado com a naturalidade da sua fala. Completamente assustado com o modo com que ela falou da dor. Como se a dor que ela sente todos os dias fosse, de fato, natural. Como se a dor fosse matéria fundamental de cada célula do seu corpo. Como se a dor fizesse parte dela, parte da vida dela. Completamente assustado com a naturalidade com que o hospital tratava essa dor. Completamente assustado porque Violet foi ensinada a conviver com a dor, foi ensinada a lidar com ela.
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Violetas em Saturno
Romance🏅 Vencedor do Prêmio Watts 2023 | Romance ❝Desde pequeno eu admiro o universo e seus mistérios, mas foi você, com toda a sua pureza, que me mostrou a beleza em fazer parte dele.❞ Ocean Davis Cooper, um cético e solitário astrônomo, busca desesperad...