Capítulo 21

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E eles escreveram todas essas prescrições
Eles me reduziram à restos
Sim, os médicos com seus remédios
Deixe-me embalar em minha imundície.
(Salt and the Sea – The Lumminers)


Ontem Luna e Summer conversaram com uma das médicas responsáveis pela Saturn. Elas falaram sobre os reflexos que ela está apresentando, como apertar a nossa mão. São sinais mínimos, mas acreditamos que são demasiadamente significantes para o quadro atual dela. E, bom, eu não pude participar da conversa pois não sou um familiar. O que eu acho particularmente sem sentido e irritante.

Mas Luna sempre me atualiza sobre qualquer novidade relacionada à Saturn, o que me tranquiliza profundamente.

No fim, a médica apenas confirmou a hipótese inicial de Summer: Saturn está apresentando alguns reflexos básicos porque está recobrando a consciência, ou melhor, porque ela está finalmente acordando. Saturn está finalmente acordando, e isso é simplesmente incrível.

Adentro o elevador do hospital, respirando profundamente enquanto me preparo para mais um dia de visitas à Saturn. Mas, antes mesmo que a porta pudesse se fechar por completo em minha frente, lembro-me da visita não-tão-secreta-assim de Violet de ontem.

"Às vezes eu saio do meu quarto pra ver se a Saturn já acordou."

Aperto o botão para ir ao segundo andar.

Decido passar em seu quarto antes de finalmente ir ao quinhentos e dois. Decido passar em seu quarto para conversar um pouco sobre a Saturn, para lhe contar sobre o jeito que ela segurou a minha mão ontem à noite. E sobre o jeito que ela fez o mesmo com as suas irmãs, momentos depois.

Violet merece, mais que qualquer um, saber sobre tudo o que aconteceu.

– Oi, Violet. – Calmamente adentro o duzentos e oito. Reparo, pelo canto dos olhos, que as demais camas do quarto estão desocupadas, assim como estavam a dois dias atrás, quando Violet passou mal. Mas elas estão desarrumadas, revelando que há sim pacientes que as utilizam.

– Oi, Ocean. – A garotinha de olhos azuis ao menos se vira para mim. Ela está sentada na mesma cadeira de rodas lilás que usou para ir ao quinhentos e dois ontem e ao menos tira os seus grandes olhos da vista colorida da sua janela.

Aproximo-me lentamente da indefesa garota. Os seus olhos ao menos se movem quando eu me sento ao seu lado, ao lado da sua pequena cadeira de rodas lilás.

– Como você está? – Pergunto, por fim, estranhando a sua total falta de animação com a minha visita, estranhando o fato dela não olhar para mim.

Violet permanece estranhamente quieta por alguns longos e eternos segundos, apenas observando as outras crianças brincando e rindo alto do lado de fora do hospital. Apenas admirando toda a realidade que infelizmente não lhe pertence.

– Eu estou muito bem! – Os seus lábios se curvam em um sorriso curiosamente estranho.

A sua voz soa fraca como um fino e baixo sussurro. Cada palavra que saí da sua boca é estranhamente arrastada, demorada, como se ela estivesse fazendo um esforço surreal para dizê-las em voz alta. Como se cada palavra dita arrancasse o ar de seus pulmões.

Violet parece estar confusa, parece estar distante de toda a realidade que a cercava. Parece estar presa dentro da solitária prisão da sua própria mente. E eu sei que essa lentidão é um dos efeitos dos fortes medicamentos que ela está tomando. Eu sei pois Violet ficou assim dois dias atrás após a administração do sedativo.

Porque apenas dessa maneira, dopada desta forma, é que Violet deixa de sentir as dores.

Ela, então, olha para mim. Completamente diferente de ontem, as sardas em sua bochecha são a única coloração em seu pálido rosto. É como se a vida estivesse rapidamente deixando-a. E isso quebra o meu coração da forma mais violenta possível.

Violetas em SaturnoOnde histórias criam vida. Descubra agora