Até o nascer do sol aflorava a melancolia instalada no peito de Clara. Há semanas atrás, a loira havia passado pelo que acreditava ser um dos momentos mais difíceis dos últimos tempos: o término com Helena.
Francamente, Clara sentia como se parte do seu coração tivesse sido dilacerado. E, mais do que custava pensar, a maior parte da culpa por aquilo era exclusivamente dela. Isso talvez piorasse, se possível, o tamanho do peso que Clara carregava em suas costas.
"Quando você realmente souber o que quer comigo, Clara, pode me procurar que estarei disposta a ter uma conversa sincera."
Ela ainda lembrava das palavras ditas por Helena.
Após finalmente se divorciar de Theo, a vida de Clara e Helena ia de mal a pior. A verdade não dita era que a modelo não se sentia merecedora daquele amor que recebia de Helena e, no fundo, o seu antigo casamento ainda a afetava mais do que custava-a acreditar.
Cansada de se lamentar, Clara vestiu sua legging e top vermelho-escuros e seu casaco por cima, indo em direção à academia do prédio. Quando chegou, a modelo se dirigiu à bicicleta e ajustou o aparelho numa velocidade maior do que a que estava acostumada a usá-la. Ela pedalou como se não houvesse amanhã. A fúria, tristeza e insuficiência se dissiparam a cada pedalada que Clara forçou seus pés cansados a dar.
[...]
Ofegante, Clara saiu do equipamento e fez uma análise minuciosa no ambiente antes de flagrar uma cena que a deixou com um pé atrás.
Helena.
Sua boca abriu e fechou diversas vezes antes de ela soltar um palavrão irritado. A personal orientava aluna a quem, nos olhos furiosos de Clara, aparentava estar bem mais interessada na profissional do que nos exercícios em si.
Clara revirou os olhos em reprovação. E, então, ficou ali em pé observando a cena descaradamente enquanto seu corpo se escorou na pilastra da academia. Notou que, vez ou outra, Helena correspondia a alguns sorrisos açucarados da aluna.
A aluna era jovem, alta, cabelos loiros e cacheados presos a um rabo de cavalo alto — o qual Clara imaginou-se puxando-o para longe dali — e um conjunto verde que valorizava as belas curvas de seu corpo. Ela fez Clara estremecer em insegurança e raiva.
A aluna puxou Helena para o canto e elas riram de alguma coisa que ela havia dito, e a loira tocou o braço dela, demorando para soltá-la. Helena sequer moveu um músculo para impedi-la de algo. Clara também queria saber o que era tão engraçado assim e o porquê da garota precisar falar tocando em sua mulher — que estava mais para ex no momento.
Esperou uns minutos até Helena interromper os exercícios e se aproximou, furiosa, com os braços cruzados e um bico formado em seus lábios.
— Então é por ela que você me trocou, Helena? — perguntou, e a profissional levantou o olhar para observá-la. Helena parecia ainda mais bonita do que a última vez na qual haviam se visto, enquanto o cansaço de Clara estava evidente em seu rosto.
Helena crispou os lábios. Sentiu-se mexida com a presença de Clara em seu ambiente de trabalho e o coração começou a dar indícios da saudade que seu peito sentia dela.
Suspirou antes de respondê-la:
— Aqui, não! Por favor, Clara — pediu baixinho, levando as mãos aos cabelos.
A modelo, por sua vez, não ficou quieta. Antes de falar, tomou ar e pensou antes que falasse o que não deveria, sendo que na verdade era de costume sair algo indevido de sua boca.
— "Aqui, não" o quê, Helena? — imitou a personal — Sério isso mesmo? O que você preferiu dela? O corpo? A idade? A beleza? Fala! — disse exaltada, com algumas lágrimas escorrendo pelos cantos dos olhos.