capítulo 3.1: você pode lembrar da chuva?

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JASON MARTINELLI.

Observo Hope enquanto ela calmamente pinta um desenho de paisagem que fez. Suas sobrancelhas se franzem em concentração, e do jeito que seus lábios estão pressionados e sua mão segura o lápis de cor com firmeza, ela parece estar fazendo a coisa mais importante de sua vida. Sorrio com o pensamento.

— Você podia fazer um também. — Ela murmura sem me encarar.

— O que?

— Um desenho. Você podia fazer um desenho, já que está aí sem fazer nada.

Troco a xícara de café de uma mão pra outra e rio.

— Não estou fazendo nada, Ursinho. Estou agindo como qualquer pai babão agiria, vendo você pintar e sorrindo sozinho. Posso até pegar o celular pra tirar uma foto.

— Bobo. — Ela sorri. — Isso veio no manual de como ser o melhor pai do mundo?

Rio ainda mais e termino meu café em um gole. São quase sete horas da noite e eu vou ter problemas de insônia, mas o gosto doce da bebida vale a pena.

— Sim. Na página 264, pra ser exato.

Ela sorri e revira os olhos, e meu peito se afunda em angústia. Toda vez que ela faz algo que me lembra de Megan, o pânico começa a me sufocar dolorosamente.

Já faz uma semana que Megan Martinelli foi embora sem deixar rastros, como se nunca tivesse estado aqui. Como se nunca tivesse arruinado a frágil ideia de paz que eu tinha.

Sinto que todo o meu luto foi uma grande piada cruel, e ela passou todos esses anos rindo da minha dor, enquanto eu cheguei perto de perder a sanidade inúmeras vezes.

Uma semana depois que Maddox enfiou aquela seringa no pescoço dela e seu caixão já estava enterrado, eu cheguei perto de enfiar uma bala na minha testa. Simples assim. Eu estava quebrado em milhões de pedaços, sentia que um buraco havia sido aberto em meu peito e estava sendo perfurado por lâminas incessantemente. Eu queria morrer. Queria que a agonia acabasse. Passei horas com a arma pressionada contra minha garganta, minha testa, meu coração. Engasguei várias vezes com o choro, tomando coragem, até que desisti e joguei a arma longe com as mãos trêmulas.

A verdade é que eu não queria morrer. Eu só queria acabar com a dor e ver minha Megan outra vez. Queria descansar com ela e nunca mais derramar uma lágrima.

Mas eu também sempre tive um desespero enorme por viver uma vida normal. Longe de todo o sangue, a violência, a rejeição. E foi por isso que não puxei o gatilho. Eu precisava honrar a memória dela, sendo feliz da forma que ela sempre quis que eu fosse.

Consegui isso por cinco anos. Nada de máfia, nem de ameaças. Nada de assassinatos. Só eu e Clóvis tendo uma vida pacífica. Até que Natalie entrou na minha vida, e depois Maddox se forçou a voltar pra ela, e então eu estava de volta ao inferno.

Os últimos dois anos foram os melhores da minha vida, tendo meus filhos perto de mim e seguindo em frente de tudo o que aconteceu. Eu estava finalmente curado. Finalmente conseguia enxergar um futuro onde Megan era apenas uma lembrança boa, e não o motivo de eu não conseguir dormir.

Tudo é ainda pior agora.

Ela não é apenas o motivo pelo qual eu não consigo dormir, ela é o motivo pelo qual eu vou passar o resto da vida sendo assombrado por ter matado a mãe da minha filha; aquela que um dia amei mais que a própria vida.

Não sei se vou conseguir suportar isso.

— Pai? — Hope me chama, e eu a encaro distraído.

— Sim?

Countdown #3 (atualizações quando dá)Onde histórias criam vida. Descubra agora