Yelena às vezes sentia que já tinha visto todos os rostos do mundo e que nenhum outro iria surpreendê-la ou ser relevante o suficiente para ela se lembrar. Essa sensação era recorrente, mesmo morando em outros países e passando mais dias no avião do que no chão, ela sentia no fundo da alma a sensação de que nada mais seria capaz de surpreendê-la. Nenhum rosto a fazia sentir empatia, amor ou, no mínimo, atração.
Ela carregava uma profunda compreensão de que nenhuma experiência era única e que ela era um substrato de influências dos outros, de traços comuns e nada relevante. Quando se deitava e quando acordava, sentia que nada tinha acontecido e nada aconteceria. Todos eram iguais. Ela era parte de uma grane massa.
Ela não se lembrava a última vez que teve um arrepio na pele, um sorriso natural, uma refeição que não fosse com calorias contadas ou até mesmo, um orgasmo que não fosse o clitoriano.
Era como se ela fosse mais um pedaço homogêneo entre outros humanos. Nada era legitimamente seu ou digno de ficar guardado na sua memória.
Após sua lesão, os dias eram uma coleção de trivialidades. Provas de roupa, remédios, smoothies de proteína, flashes e stories gravados pela sua assistente, ligações apáticas de seus pais, mensagens de sua irmã a extorquindo ou reuniões entediantes as quais ela não conseguia prestar atenção e apenas assinava papeis sem ler o conteúdo deles.
Se existia algum lado de Yelena durante os dois anos depois de sua lesão, que ainda ansiava por viver, estava definhando.
Já faziam três semanas que ela estava morando em Seoul. Seu apartamento era minimalista, como ela sempre optou, com poucos móveis (que já vinham no aluguel) e a melhor parte da casa: nenhuma parede além do banheiro.
Sua única exigência naquele momento era um estúdio amplo, onde ela pudesse ver todos os cantos da casa. O que resultava em ambientes demarcados por longos sofás brancos, luminárias industriais e um saco de box - instalado por seu agente, que ela nunca pediu e nem tentou tirar.
Em uma das noites em que estava entediada, segurando um copo de chá de hamamelis e encarando os telhados das casas do distrito de Yongsan, a campanhia tocou.
Como ninguém além de seu agente sabia daquele endereço, Yelena rapidamente concluiu que era um assassino. Caminhou desconfiada até a porta e olhou pelo olho mágico: Não tinha ninguém ali.
Ela abriu a porta, achando que encontraria alguém pregando uma peça nela - ou o assassino - mas tudo o que achou era um envelope.
Um pouco desconfiada, com medo de ser um envelope contendo algum pó venenoso como Anthrax, ela acabou abrindo-o, vencida pela curiosidade ou pela indizível vontade de que de fato fosse um veneno.
É assim que se faz um coração.
Haviam desenhos ilustrativos de uma mão mostrando como fazer um coração com o polegar e o indicador. Ela encarou a folha de papel e viu um pequeno post it cair lá de dentro, junto com um cartão de visitas.
E no verso:
Me desculpe por ter sido grosso com você. Espero que goste do café.
O outro papel, feito de material reciclável, era de uma cafeteria e tinha dez marcas de carimbo, um cartão fidelidade que parecia valer um café grátis - O coreano de Yelena ainda era incipiente para entender o alfabeto, mas conseguiu ler a palavra universal CAFE.
Ela se sentou em um dos grandes sofás da sua casa que nunca se sentava, deixando ali a primeira marca da sua bunda, e encarou aqueles três papéis, incrédula e curiosa, mas com uma sensação inédita: um frio na barriga que indica que algo está acontecendo fora do seu controle.

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tenniscourt
RomanceTenniscourt - Yelena Costa não quer morrer. Yelena é feita de suor, ritalina e lágrimas. Além de ser a tenista mais promissora do Brasil, ela é uma das maiores influencers do esporte e marca presença nas festas das maiores marcas da moda. Após um ev...